A MULHER DO SÓCIO - um episódio de Felipe Espada >> Zoraya Cesar

A primeira vez que Bruno encontrou a mulher do sócio, detestou-a. Achou-a arrogante e pernóstica. Uma perua dispendiosa. E, ainda assim, desejou-a. Mais para sacanear o soberba dela, colocar aquela moralista enjoada pra cacete a seus pés. Por esporte. Just for the fun of it. Queria ver se ela resistia ao seu charme de cafajeste bonitão. 

Depois de algum tempo, o irresistível Bruno conseguiu seu intento. E ganhou, de brinde, duas surpresas. 

Patrícia era uma tarada em potencial, um diamante pronto a ser lapidado pelas mãos e lábias do experiente Bruno, um frequentador assíduo de termas, clubes privées, lupanares. 

A outra foi descobrir que a sisuda Patrícia era uma alcoviteira: durante as escaldantes sessões de sexo, alguma droga e sem rock’n’roll, ela revelava segredos do marido, todos. 

E foi assim que ele soube que Paulo gastara sua fortuna em jogatina e bebida. E que começara a esboçar um plano para fraudar a contabilidade de empresa e jogar a culpa em Bruno. 

Bruno entrou em pânico. Não tinha outra fonte de renda. Ele e Paulo nunca foram amigos, apenas sócios. Mas... falcatrua? Paulo parecia tão mané, incapaz de engendrar um plano desses. Bruno não sabia o que fazer. De matemática e contabilidade entendia lhufas. Se chamasse uma auditoria externa exporia a empresa e os clientes fugiriam. 

A solução veio durante uma sessão de spanking em Patrícia, na qual ela gritava fica comigo, fica com tudo, acaba com aquele imundo! Isso! Ficaria com tudo - empresa, mulher, dinheiro... e a própria vida. Inverteria os papéis; ele é quem ia matar Paulo. A melhor defesa é o ataque, pensava Já estava mesmo na hora de se livrar daquele cretino.  Mas, como? 

Novamente Patrícia, a alcoviteira, salvou a situação, trazendo o contato do assassino de aluguel que o marido arranjara. Tenho acesso a todas as senhas dele, ciciou, lambendo os pés de Bruno, faço tudo pelo senhor, meu amo...

Bruno estava extasiado. Bendita a hora em que seduzira aquela mulher. Até que enfim encontrei uma mulher que me sirva... achando graça da própria brincadeira infame. Até ligar para o assassino e acertar tudo ela fez, na frente dele. 

Em menos de um mês, os jornais noticiavam a morte do pequeno empresário Paulo Gharibi, vítima de um acidente de carro. Ao que parecia, estava bêbado ou drogado ao volante e caiu numa ribanceira quando chegava perto de seu sítio em ***. Não havia testemunhas e a área, rural, não tinha câmeras de segurança. 

Um acidente, como tantos outros. Fim da história. A polícia tinha mais o que fazer.

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Bruno regozijou-se. Que serviço bem feito! Resolveu comemorar. Afinal, seria agora praticamente o único dono da firma, pois Patrícia, literalmente, comia em suas mãos. Planejava montar um quarto especial na casa nova que ia comprar. Em um ano poderiam ficar juntos, ninguém ia desconfiar. Nada mais de se esconder em hotéis vagabundos, quase puteiros. 

Pegou o pó que Patrícia roubara de Paulo. Para seu consumo somente, meu senhor, que não sou digna de compartilhar de seus êxitos. Safadinha, pensou ele, aprendeu direitinho quem é que manda...

Cheirou o pó, pó dos ossos do homem que ele mandara matar... Aspirou fundo, com vontade lúbrica. 
O efeito, porém, não foi o esperado. Sentiu-se mal. Muito mal. Morreu antes de entender o que estava acontecendo. 

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O corpo só foi descoberto muito depois, quando já estava cheirando mal. A polícia encarou como acidente. Não seria a primeira vez que alguém encontraria a Dama da Morte Branca. Os frequentadores do motel de beira de estrada onde o corpo estava disseram que era a primeira vez que o viam por ali e ninguém soube dizer se ele estava sozinho ou acompanhado na hora da morte. 

Os jornais fizeram a festa com a coincidência de dois sócios terem morrido em circunstâncias trágicas, tão em seguida um do outro.  

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Em seu apartamento, Patrícia descansava no banho de sais aromáticos ao lado de um copo de gin. 
Patrícia leu em algum 
lugar ser o gin a 
bebida predileta dos 
psicopatas. 
Resolveu adotá-lo
como 
sua bebida preferida

Que idiotas! Os séculos passam, mas a essência masculina não muda

Paulo jamais pensou em matar o sócio. Estava pessoalmente falido - gastou tudo para satisfazer os caprichos da mulher - e era um moleirão. Ia acabar levando também a firma à falência. E isso Patrícia não podia admitir.   

Ela sabia como manipular um homem. Fora tão fácil convencer Bruno de toda a história! 

Ligara para um número qualquer, simulando falar com o assassino e a besta do amante acreditara que ela seria estúpida a esse ponto. Amante! 

Patrícia era uma atriz nata. Submissa! Logo ela, conhecida no mundo BDSM como Mistress Fate, a dona do êxtase e da morte, rainha da dor, dominatrix há mais de 20 anos, reconhecida e incensada por onde aparecesse. Homens e mulheres faziam qualquer coisa para penar sob seus desígnios.

Agora a firma era toda sua. Sem litígios, sem divisões, sem questionamentos. 

Tão simples, dar cocaína misturada com epinefrina para Bruno comemorar. Patrícia sorria para as borbulhas do banho. 

Agora era esperar alguns meses, talvez um ano, e livrar-se também do motorista, seu verdadeiro amante, que sabotara o carro de Paulo e o jogara para fora da estrada. E que tinha arranjado a cocaína batizada. Ela, Patricia, não era mulher de deixar pontas soltas. 

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Também em seu apartamento – bem mais simples que o de Patrícia – o policial Felipe Espada ensimesmava-se. Não estava comemorando, não estava feliz.

Nunca acreditara em coincidências. Sócios morrendo em acidentes banais, sim, mas em tão pouco tempo?

No entanto, gente morre de acidente e overdose todo dia. Assim que o caso fosse fechado, começariam os trâmites de inventários, testamentos, heranças...

Duas coisas aprendera logo no início da carreira:

Cherchez l’argent – procure o dinheiro. O mal existia e havia quem matasse pelo prazer de matar. Mas, no mais das vezes, existia um motivo subjacente, geralmente ligado a dinheiro.

Quem lucraria com a morte daqueles homens? Já investigara um grupo de acionistas que mandara matar o presidente de uma empresa para que o vice assumisse o controle. Mas a empresa em questão não tinha ações na bolsa. Então...

Cherchez la femme – procure a mulher. Atrás de um plano macabro geralmente há uma mulher envolvida, de alguma maneira. Ou como mentora ou como catalizadora. Ou ambos.

A viúva. Seria a única a lucrar com a morte de ambos os sócios. Seu álibi e o dos empregados era perfeito. Não havia indícios de que ela conhecesse intimamente o sócio do marido. 

Tudo bem amarrado demais, certinho demais. A vida não é assim. Tem algo estranho aqui. Tem algo de cruel nos olhos daquela mulher. Eu sei. Eu sinto.

Felipe Espada não era homem de se deixar levar por impressões, nem pela famosa ‘a primeira impressão’. Mas aprendera a respeitar seus instintos e, depois de tantos anos envolvido com o que há de pior no ser humano, pressentia a maldade.

Como Bruno conseguira aquela droga, cocaína com a dose certa de epinefrina para matar?

Por que a viúva não quisera o dinheiro do seguro? Para evitar que a seguradora investigasse o carro?

Em todo crime sempre há uma ponta solta, um elo fraco. Ele vira a maneira como o motorista olhava a patroa de maneira subserviente e adoradora.

Aquela mulher era uma sedutora, capaz de manipular os sentimentos mais obscuros dos homens. Há mulheres assim. Não precisam ser bonitas nem jovens. Elas têm um poder intrínseco à sua natureza, que passa despercebido aos comuns dos mortais. Felipe Espada conhecera algumas assim. Reconhecia quando via uma.

Por baixo do verniz social, escondia-se uma personalidade perigosa – como a da Sra. Kaede, personagem de Ran: uma mulher com inacreditável capacidade de violência sob a aparência frágil e discreta.

Estava decidido. Aquele caso seria seu. E ele não descansaria até desvendar tudo. Pois se havia algo que ele desprezava nessa vida era um assassino.

Mais tranquilo depois da decisão tomada, Felipe Espada apagou as luzes, pegou um cálice de seu Porto preferido, e esperou Ana, a namorada, chegar para assistirem Ran juntos. Estava na hora de relaxar vendo um quadro profundo da alma humana, como só Mestre Kurosawa sabia fazer. Lady Patrícia Kaede, sua hora vai chegar. E será pelas minhas mãos.


Outras aventuras de Felipe Espada
O último jantar romântico - romântica sim. ingênua, jamais
A mulher do sócio - quanto mais esperto você se acha, mais idiota você é
Parênteses - quando a discípula aprende as lições do mestre
Crime perfeito - quando o discípulo trai o mestre
A boa sogra - não foi dessa vez que a regra encontrou sua exceção
Pombos - pombos podem tirar você do sério. Ou te matar
Beladona - por fora, já não muito bonita viola. Por dentro, pior que pão bolorento
Amor, ouvido de tuberculoso e um vagão - a sorte costuma acompanhar os bons policiais
O coral - os afinados nem sempre têm um coração...
Planos macabros - a primeira aventura de Felipe Espada
William, o ordinário, parte 1 - sair de uma vida tediosa pode ser uma aventura
William, o ordinário, parte 2 - uma aventura perigosa
William, o ordinário, parte 3 - uma aventura mortal
O candidato, parte 1 - passar num concurso público pode ser questão de vida...
O estratagema, parte 1 - cuidado com uma mulher desprezada
O estratagema, parte 2 - cuidado com o melhor amigo


Imagens

 


Comentários

Marcio disse…
Puxa vida, pelo jeito não vai ter continuação.
Cada um dos leitores vai ter que dar a sua solução para o caso.
E eu vou ter que começar a investigação justamente por um dos maiores mistérios da literatura: onde fica essa localidade de ***, onde Paulo tinha um sítio?
Cadê você, Google?
Clarisse Pacheco disse…
Agora fiquei morrendo de vontade de ver o desfecho dessa trama...e o filme Ran também, rsrs
branco disse…
Que você é talentosa não existe dúvida nenhuma, assim como este medo que estou começando a ter de você.
Erica disse…
Desconfio que o "sítio em ***" era um sítio em Atibaia kkk
Mas, pera lá... o Bruno não tinha herdeiros? A parte dele não pode ficar pra Patrícia... ela só tem direito à parte do marido... acho que a matança vai continuar hahaha Felipe Espada que se prepare!
Albir disse…
Ah, tá! Agora tenho de construir o final, né?
Tenho medo de concluir que devo matar alguém. Ou matar-me.
Carla Dias disse…
Zoraya, Zoraya... Suas moças-personagens começam ame meter medo... rs. E sim, trata-se de um elogio.

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