CANÇÃO 6 DE 7 | VECCHIO NOVO


Porque acordar e se espreguiçar e ter de olhar para o mundo não é coisa para se fazer sem gastar alguns segundos no questionamento: 

Vale para quê? Encaixa-se onde? Acontece em qual como?

Depois, a breve agonia fica no passado, como se a ele pertencesse há milênios. A realidade pede por conclusão de afazeres, dos que vivem na agonia das urgências e servem apenas para justificar uma existência de números de documentos, agenda falecida nos braços de números de telefones abandonados para todo o sempre. Quilômetros de distância do que se assemelha a nós.

Não de quem... do que, mesmo.

Quem tem outra história. 

Não há atrevimento em se aventurar pelas nossas biografias como se fosse visitante. Turista interessado somente no que invade e se mexe por seu dentro com o respaldo da segurança do prazer. Deleites habilmente definidos pelo código de sobrevivência de quem teme o que avança, agita-se, provoca, enreda de fazer o sujeito que é perder rumo de qualquer verbo capaz de sintonizá-lo no calendário. 

As seguranças frágeis que veste, dia depois de outro. A confiança na promessa que elas entregam, junto com o contrato firmado: constância, linearidade, previsibilidade.

Dentro de nós mora outro quem somos. Nem sempre nos damos bem com ele, que gosta de saber onde pisa, precisamente o que consome, o valor exato que lhe cobra o risco, e que este seja sempre na medida do tolerável. Só que, em tempos de autoabandono, quando abrimos mão do direito à ousadia. De quando precisamos de pausa, silêncio, distância, é ele quem se apodera de nós e se diverte com a nossa incapacidade de tirá-lo do comando.

Então, tudo fica plano, desbotado, apresentável. Não é ruim, apenas raso. Não é o pior, só não é melhor. É o que é e nunca se abala.

Mas e a fluência do assombro? 

A indecência do êxtase?

O frenesi oferecido pela música: espalhando-se – escandalosamente – pelo nosso corpo?

A repetição que peca pela preguiça, por sorte nossa. Que permite adequações ao de sempre, oriundas de aprendizados adquiridos, aos trancos e surpresas, que a repetição usa feito adornos, mesmo quando não os aprecia, porque não é de abrir mãos das suas perdas. 

Há dias em que ela nos permite reaprender o horror e o agrado, tudo misturado, bagunçando a geografia dos nossos sentimentos. Nem sempre há como acordar e se espreguiçar, porque nem chegamos a nos deitar, não nos entregamos ao adormecer.

Quando tudo vibra incontrolavelmente dentro de nós, que até a repetição se espanta e perde suas rotas, seus planejamentos, abrindo espaço para o novo... para o velho encanto novo, que reivindica o que já é conhecido, mas inexplorado. Que ele não aprecia permitir que se perca o que não foi apreciado, por pura preguiça patrocinada pelo medo de sentir o atrevimento a nos inspirar.

O que reverbera.

O que se amplifica.

O que nos alimenta... os à mercê e à revelia.


Vecchio Novo (Claudio Lucci/Jose Márcio Pereira)





Comentários

Zoraya Cesar disse…
"Mas e a fluência do assombro?

A indecência do êxtase?"

Ela e as frases absurdas de profundas. Ela é a capacidade de nos fazer mergulhar suavemente e nos olharmos no espelho da alma. Ela e o texto sempre irretocável. Ela, a Clássica. Ela, Carla Dias.

(sem contar q amo essa música...)
Albir disse…
Quando chegar à 7, por favor, recomece com outras canções. É uma redescoberta ciceroneada de músicas que ouvimos tantas vezes.
Carla Dias disse…
Ah, Zoraya... Já desisti de saber como agradecer as suas palavras. Meu "obrigada" é feito livro de cem páginas, tá? Beijos!

Albir, música tem um espaço imenso na minha vida. Pretendo retomar os textos que escrevi escutando as devidas canções, na repetição. Com os sentimentos que, de fato, elas despertam em mim. Realidade ficcional. Mas, antes disso, pensei em fazer o mesmo com filmes... Vamos ver.

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