o louco e o tempo <<< branco
me lembro
de quando a vi ir para o trabalho
com seu jeito elegante
e andar firme
cabeça ereta
e de como desapareceu
no final da rua
retorno aos meus afazeres
um pequeno conserto aqui
um outro acolá
nada é desperdiçado
preparo uma bela recepção
para quando ela voltar
o encanamento da pia - na cozinha -
pretendo conserta-lo ainda hoje
vejo que preciso também
fazer uma boa limpeza
muitas panelas e pratos se amontoam
a sujeira no chão e as teias nos cantos
ouço na rádio
que milhões de pessoas passam fome
que existem nove guerras em andamento
e que houve mais uma chacina
mas nada disso me importa
continuo meu trabalho
as paredes poderiam receber
uma nova cor
mas antes
preciso encobrir as rachaduras
que elas apresentam
penso
rachaduras-cicatrizes
findo dia
tomo um banho
estou limpo e penteado
e mesmo vestindo roupas puídas
consigo o meu melhor sorriso
- aquele ensaiado exaustivamente -
sento-me na cadeira da varanda
e espero pela sua volta
percebo os mesmos olhos - dos mesmos vizinhos-
espiando pelas frestas nas janelas
conheço todos os comentários
mas isso é apenas mais uma coisa
das muitas com as quais não me importo
prefiro fechar meus olhos e sonhar
acordo sentindo frio e me encolho na cadeira de vime
conto as luzes dos postes
espreguiço-me
sei que devo ir para a cama agora
pois amanhã terei outras tarefas
e quero que tudo esteja perfeito
para quando ela voltar
ilustração (lápis em cartolina) por ana betsa
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Comentários
O ensaio na vida a espera do outro...
Alcir
Elaine Franco
Elaine Franco
Parabéns amigo.
Esse seu texto me fez pensar profundamente na ausência que não conseguimos permitir que tome conta da realidade. É muita beleza em uma aguda tristeza. Lindo!
E que beleza de desenho da artista! Que venham mais. Amo lápis e esse realmente está lindo!