GUDE - final >> Albir José Inácio da Silva
(Continuação de
27/07/2020)
Começou outra
partida. Silêncio. Ouviam-se as respirações. Depois de quatro jogadas, com um
teco de três metros de distância, Adilso liquidou o jogo.
Vi quando
Roberto cochichou com uns moleques e eles gritaram:
- Avanço!
O Avanço
Trata-se o
avanço de uma subversão, um motim, um golpe no vencedor, na civilidade, no
direito, na paz e na amizade. Devastador e de consequências imprevisíveis.
Adilso plantou-se em cima do triângulo pra
defender o seu patrimônio. Com o ombro, Roberto o deslocou alguns passos, o
suficiente para que os outros enchessem as mãos de bolas, entre gritos, socos e
pontapés. Roberto aproveitou para pegar os dez cruzeiros que tinha casado.
Recuperado, Adilso passou a atacar os vândalos
com as bolas de gude. Durou alguns segundos, correram todos, alguns com as mãos
cheias. Adilso passou os dedos na testa e viu sangue. A calma de sempre o
abandonou e ele jogou a bilha de aço na direção de Roberto. Ficou aliviado porque
errou, mas ouviu o barulho da janela se espatifando.
Depois tratou de
recolher na camisa as bolas espalhadas por toda a praça e foi pra casa. Dona
Lurdes passava mertiolate na testa do filho quando Dona Dalva bateu palmas.
As Mães
A briga dos
meninos durava vinte e quatro horas, a das mães, semanas ou meses. Mas este não
seria o caso das mães de Roberto e Adilso. Dona Lurdes era diarista na casa da
Dona Dalva. Uma não podia perder o emprego, a outra não queria perder a
mão-de-obra barata.
- Mas o meu
Adilso também tá com a testa quebrada, Dona Dalva!
- Testa não
custa dinheiro, Lurdes! Eu quero saber quem vai pagar o vidro da janela!
- Eu pago, Dona
Dalva. Eu pago. A senhora vai descontando da semana.
As vozes foram
se acalmando e terminaram em cumprimentos.
- Até amanhã,
Lurdes.
-Até amanhã,
Dona Dalva.
Quando Dona
Dalva foi embora, Adilso levou uma coça que eu escutei de casa as lambadas. Mas
ele não fez escândalo, aguentou quieto.
Os Negócios
No dia seguinte,
Adilso me chamou. Queria um encontro com Roberto.
- Pago vinte
cruzeiros – disse Roberto, fingindo desinteresse, mas de olho no lucro.
- Vale cinqüenta!
E ainda tem os dez que tava no triângulo... – argumentou Adilso.
- Trinta, se
quiser. Posso comprar no armarinho.
Quando saímos, eu
fui fazendo as contas do que Adilso podia comprar.
- Um “deizão”, três
piões e um vidro de cerol. Ou quatro
piões, se a gente mesmo fizer o cerol.
Adilso me olhou
por instantes, mas passou direto do armarinho. Entrou no armazém.
- Eu quero uma manteiga
e o resto de pão – disse Adilso e botou o dinheiro no balcão.
O português deu uma
lata de manteiga, quatro bisnagas e duas balas de tamarindo. Adilso me deu uma
e meteu a outra na boca.
O Café
- Onde tu
arrumou isso, Adilso? – Dona Lurdes arregalou o olho assim que a gente entrou -
Filho meu pode ser pobre mas num vai ser ladrão não. Tu não tem pai, mas tem
mãe. Te pego de cinto outra vez!
- Eu ganhei no
gude, mãe, e vendi as bolas – apressou-se o Adilso.
- Foi sim, Dona
Lurdes! Eu tava com ele – garanti.
- Pois vá chamar
seus irmãos – disse ela com a cara já mais desenrugada e botando água no fogo.
Dona Lurdes
guardou duas bisnagas num saco plástico e botou na lata pra não endurecer.
- Quer café,
menino? – perguntou pra mim.
- Aceito, Dona
Lurdes. O café da senhora é tão bom!
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E por mais D. Lurdes e Adilsos nesse mundo