É PRECISO SABER SORRIR? >> Clara Braga

 Quando eu era mais nova, ainda na época escolar, lembro de uma professora de redação que leu um texto em sala de aula sobre crianças bolhas, que seriam crianças que os pais não deixavam sair e, por isso, eram criadas dentro de uma bolha.

 Depois de ler o texto, a professora pediu que debatêssemos e refletíssemos o quão bolhas nós éramos ou não éramos.

 Logo começou uma guerra em sala. Cada aluno queria ser mais bolha do que o outro. Um se considerava bolha por não ter viajado com os primos, mas logo era rebatido por outro que dizia que isso não era ser bolha, já que ele ia para todos os outros lugares, dormia na casa de amigos e tudo mais. Bolha era o fulano, que só podia ir ao shopping nos finais de semana desde que os pais de algum dos amigos fosse também. Mas tinha também aquela outra, que o pai não deixava sair nem na rua, mas a mãe mentia para o pai, dizendo que ela estava estudando na casa da amiga e acobertava a saída da filha para que ela não vivesse em uma bolha, então, ela não era bolha de verdade, só o pai achava que era.

 Enfim, a discussão foi longe, mas a verdade é que ninguém ali era realmente criado em uma bolha, mas por algum motivo, dizer para os amigos que a "vida era difícil" parecia te deixar mais legal. 

 Os anos passaram e cá estamos, forçados à ficar dentro de nossas bolhas. Quem pode ficar, reclama que não quer, não consegue, está difícil (e está mesmo). Quem não pode, reclama do risco que está correndo e que queria poder se cuidar ficando em casa. Claro, cada caso é um caso e não podemos generalizar, afinal, sabemos que estar em casa para alguns significa passar por situações realmente difíceis, bem como sair.

 Mas fico pensando em casos menos específicos, como aquele que diz estar mal por não poder fazer seu exercício físico. Aí você indica um professor que está passando treinos online e a pessoa diz que não serve. Depois reclama que está com saudade de comer uma comida específica, aí você diz que tem um restaurante semelhante fazendo entrega, aí a pessoa diz que não é a mesma coisa. Depois reclama que está com saudade de ouvir uma boa música, aí você indica umas lives que estão realmente boas, e a pessoa diz que assim não gosta. Aí a pessoa diz estar com saudade dos amigos, você sugere um happy hour por chamada de vídeo, mas a pessoa diz que assim não conta.

 Enfim, os problemas e as saudades são muitas, e muita coisa tem feito falta de verdade, mas negar todas as soluções me parece um pouco de birra daquelas crianças que queriam ser bolhas só para chamar a atenção dos amigos. Não sei, mas às vezes penso que para alguns, aceitar a possibilidade de ser feliz parece mais difícil do que ficar sofrendo.

Comentários

Unknown disse…
Isto é : aquele chato fica ainda mais chato na pandemia.
Carla Dias disse…
Recentemente, tenho pensado muito sobre "fazer nada, não escolher também é uma escolha". Ok você viver na sua bolha personalizada. Duro mesmo é quando você convida as pessoas para a reflexão, não aceita que há opções e segue com as lamentações de bolha escolhida. Grande perda de oportunidade de aprender com a sua bolha preferida. Adorei, Clara! Beijo.

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