23h58 A crônica está sem título e eu busco, numa lista imaginária e em branco, um assunto para escrever. A situação é crítica, pois amanhã de manhã não terei tempo para realizar o meu ofício quinzenal. E, então, o alarme de algum carro toca algumas vezes. Por sorte para quem está dormindo, ele logo desligou. Também sou agraciado, pois ganhei uma inspiração para redigir. Esses sinais, que costumam ser sonoros, indicam que uma situação foi modificada, ou que poderá ser em breve, sendo necessário implementar alguma atitude para restaurar o equilíbrio anterior ou minorar o inevitável prejuízo. 00h14 Consegui avançar na escrita, mas não tenho a menor ideia de como irei concluir esse texto. Uma coruja, então, avisa que está alerta, esperando o alimento incerto. Numa situação de perigo, o organismo libera adrenalina para que uma ação, lutar ou fugir, seja implementada e possibilite a continuação da vida. O único perigo que vislumbro nesse momento é não dormir bem e comprometer a qualidade d
A sombra da Rainha Morta Em seu estarrecimento, o Rei não percebeu o horror no rosto da feiticeira e nem deu-se conta de que Madorno havia fixado seus olhos no espelho, pendurado logo acima da cama, e pronunciado as três palavras que devem ter sido as últimas a tocarem os lábios da rainha: escuridão, sangue e frio. O rei parou de se mover. As palavras do anão ecoaram em seu peito oco. Tentou fazer um grito desesperado subir pela garganta, mas na verdade não queria gritar. Parecia flutuar em uma banheira de água morna, desprendido de qualquer contato com o solo. - Morrer é assim? - estranhou-se. Não sentia nada. Sua visão agora estava embaçada e uma névoa cinza fechou-se ao seu redor, delineando parcamente uma paisagem monocromática. Uma silhueta começou a tomar forma. Logo ele viu a si próprio e os acontecimentos das últimas semanas desenrolaram-se a sua frente. Não sabemos se ela sobreviverá, disseram os médicos. E ele saíra em busca de Angèlle, coração descompassado no peito.