Houve dia em que não saiu de casa. Calou-se até diante de si. Quis nem saber quem estava do outro lado da porta a cutucar campainha. Esqueceu-se de comer, beber, banhar. Permaneceu naquele mesmo lugar, durante horas. Esvaziado de desejos e alegorias, varreu de si os ecos das palavras, que durante ávido tempo guardou naquele canto de si que nem tão bem conhecia. Sabia que ele existia, que evitava confrontá-lo. E então, assim, esvaziado, o tal canto se parece com uma cidade vazia. Como único ser dessa cidade vazia, nesse dia ele se nega a assistir ao telejornal de todos os dias, de escorregar o corpo no sofá e provocar a sensação de conforto, enquanto observa o mundo ruir naquele lá fora. Ri de si ao compreender a proximidade dos eventos, não importa quantos mares se coloquem entre aqui e ali. Lá fora é sempre do outro lado da janela. Esse falseado conforto é uma forma covarde de se manter distante do que o incomoda. Nesse dia em que não saiu de casa, depois de um vazio abissal
sua dose diária de conversa fiada