VELHO? >> Sergio Geia
Adriana me mandou uma foto. Não. Não era foto. Era febre: a transformação do instantâneo numa espécie de imagem estilo Studio Ghibli.
Todo mundo nas redes sociais anda postando. Gostei. Não só pela imagem registrar com doçura um momento de felicidade — e as lembranças da noite —, mas, numa visão bem autocentrada, pela minha própria imagem transformada em desenho infantil.
Uma figura simpática, charmosa, intelectualizada. Qualquer um mirando a imagem diria, ah, esse Geia, gente de bem, e olharia com interesse, respeito, admiração; a autoestima subiu igual a um foguete da Nasa.
Até mostrar pra Edna. Não gosto, ela disse, no horário do almoço. E completou: você ficou velho. Velho? Comecei a olhar com mais atenção o desenho. No intervalo do café, lá estava eu de novo com a cara no celular. E de noite. Só encontrei a razão num insight de madrugada.
Não que meu cabelo seja um exemplo de volume, não é, mas o corte ajudava. Pois resolvi raspar. A cabeleireira passa a máquina: meio, dos lados e atrás; um e meio, em cima. No alto da cabeça há menos cabelo, mas eles existem. O aplicativo que reproduz as imagens do Studio Ghibli não foi capaz de enxergar a penugem cinza do alto da minha cabeça, e simplesmente limpou o meu coco.
Outro dia resolvi vestir uma bermuda jeans, camisa polo preta, mocassim. Saí pra comprar doce. Olhando-me no espelho do elevador, ouvi novamente a voz de Edna (será que agora a voz dela vai me perseguir?): você ficou velho. Velho? Voltei pra casa e troquei a polo por uma hering azul-clara, a bermuda jeans por uma de sarja acima dos joelhos, o mocassim por um all star preto.
Sempre quis furar a orelha. Por diversas razões, profissionais, pessoais, adiei. Até que Chiara, certa vez, me pediu para acompanhá-la: iria pôr piercing no nariz. A ideia voltou com força. Será? Resultado: furei. Devem ter pensado: velho louco; só falta fazer tatuagem (minha mãe fez depois dos cinquenta). Mas antes o problema fosse esse. Durante uns dez dias dormi com a cabeça de um lado só no travesseiro, por conta do furo. Ganhei um ciático dolorido que até então não sabia que existia.
Pensando aqui, lembrei da expressão envelhescência, que encontrei na crônica engraçadíssima do Mário Prata. Pois bem: estou nela. Começando, quero dizer. Assim, pra mim, hoje, muito tempo no sofá é sinônimo de dor lombar. Alimento duro, de dente quebrado. Cerveja demais, de dor de cabeça. Excesso de chocolate ou creme de leite, de trono. Jantar tarde, de madrugada em claro. Corrente de vento, de resfriado. E é apenas o começo; nem quero pensar no depois.
Embora ela escreva especialmente para mulheres, sou leitor da Mirian Goldemberg. Com ela já aprendi que a liberdade é a melhor rima para a felicidade, e que brincar, gozar e rir da própria desgraça é o melhor jeito de seguir em frente.
Pode rir.
Eu me junto a você.
Ilustração: Pixabay
Comentários
maluco não. Rir de si mesmo é um sinal poderosíssimo de saúde mental.
Obrigada por alegrar meu sábado!