GRIPE GOURMET >>> Nádia Coldebella




Essa semana estou com gripe. Ela me derrubou. Foi de uma deslealdade sem fim. Por isso estou com raiva.

Tudo começou com uma dor de cabeça básica. Muitas coisas andam me dando dor de cabeça hoje em dia: fim de relacionamento, fatura do cartão de crédito, preocupações da vida diária, CPI do tigrinho, o tal do pastor mirim (a cabeça doeu de tanto rir), o trabalho. Então nem liguei muito, só naveguei na metáfora e segui com a vida.

Nesse ponto, no entanto, caí na besteira de fazer o que todo mundo anda fazendo: subestimar a desgraçada. Depois da Covid, Dona Gripe ficou relegada ao papel de filha do meio. Fica esquecida, ninguém a leva muito a sério, parece piada. Mas sabe fazer estrago.

Ela chegou mansinha, afinada com os novos tempos. Como uma boa entidade do mal que é, reciclou-se e me deu um grande cansaço. Você viu uma pessoa se arrastando por esses dias? Era eu. Gemi um pouco na hora de ficar de pé, mas nem dei muita bola. Sobrecarga, quem nunca?

Dona Gripe adquiriu habilidades de guerra. O inimigo não pode descansar. É mais fácil de ser derrubado. E assim foi: uma, duas, três noites me acordando de madrugada, sem me deixar dormir depois das três da manhã. Ansiedade?, cogitei. Alguma coisa que eu comi?, talvez. Excesso de tela?, possivelmente. Nada. Era Dona Gripe, uma puta estrategista.

Mas ignorei. Dentro da minha atual condição, essas coisas são perfeitamente normais. Enganei-me, óbvio, porque na sexta-feira de manhã ela chegou me dando uma voadora no peito, derrubando-me por completo. Doía tudo, até o fio do meu cabelo. Fora o frio que só eu sentia e tentava me transformar num cubo de gelo loiro.

— Você está com Influenza — disse-me o médico, após cutucar meu nariz com um cotonete gigante, fazendo-me chorar. Tudo planejado, porque para receber a notícia de uma Gripe Gourmet, só com lágrimas.

E para tratar Gripe Gourmet, só com remédio de marca.

— Toma isso, isso, isso e mais isso. Se não der, usa isso. E tem o Tamiflu também. Tomou vacina? Não? Ah, tá, porque essa influenza poderia ser da vacina.

Faz parte do upgrade da Dona Influenza. Pelo menos cinco medicamentos e mais um para não ficar doente por causa dos cinco. Mas não tomei Tamiflu. Gourmet demais, vai contra meus princípios.

— Toma isso também: atestado.

Ahhh!!! Golpe fatal!!! Tirar de uma viciada a fonte da diversão só para ela descansar é o cúmulo da maldade, Sra. Influenza.

Hoje ainda estou avariada, mas posso contar para o médico que continuei trabalhando de casa. Só não fui atender ninguém. Sou uma psicóloga responsável.

O fato é que essa gripe foi um marco para mim. Eu adoeço muito pouco, mas quando adoeço, geralmente fico bem mal. Nesse momento da minha vida, essa gripe me sinalizou que o meu poço também tem fundo. Eu estou sozinha agora, sou eu quem é responsável por cuidar das minhas filhas. Se não fosse a bondade da minha irmã e da minha mãe, fazendo sopa para mim, eu teria sido alguém mais patética que um dos meus personagens. Ficar doente por fatalidade é uma coisa, ficar doente por negligência é outra. Não posso me dar ao luxo agora. Não mais. Preciso escalar esse poço.

É por isso que estou com raiva. Gripe Gourmet faz você parar tudo e pensar. Ridículo, patético, absurdo. Quem tem tempo para ficar elucubrando?


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