OVELHAS ELÉTRICAS SONHAM EM ACORDAR >> ALLYNE FIORENTINO

Nós ouvimos e não julgamos, mas ninguém pode segurar nossas pálpebras surpresas. E não é nem por julgar, mas eu sinto essa curiosidade humana, de prescrutar os recônditos, as miudezas das coisas que não fazem sentido, mas que continuam existindo na vida real sem pedir licença pra sensatez.

Ele estava muito animado ao me contar o que estava estudando e o que fazia. Eu, com a cara padrão, sem expressão, estava julgando tudo que ele estava me dizendo, atropelando todas as suas palavras, chutando os baldes que apareciam no meio da conversa, analisando cada detalhe ao mesmo tempo que entoava como trilha sonora: nós ouvimos e não julgamos, ouvimos e não julgamos... não julgamos!

Facilitou o fato de que ele falava bem, tinha uma educação genuína, expressava-se com clareza: a segurança que quase enganava a qualquer um.

    ‒ Que interessante! Então quer dizer que você é responsável por aplicar testes para comprovar distúrbios psicológicos nas pessoas?

    ‒ Isso mesmo! É a parte técnica que auxilia os psicólogos.

    ‒ E aquilo que você aferir nos testes servirá de base para o tratamento dessas pessoas. É isso?

    ‒ Exatamente. Eu adoro isso. Sou neuropsicólogo.

    ‒ Neuro o quê?

    ‒ Neuropsicólogo. É a pós-graduação em Neuropsicologia que eu estou fazendo.

     ‒ Ah é verdade, você havia dito que saiu da área de TI pra fazer uma pós em Saúde. Mas me diga uma coisa, aquelas suas publicações...

    ‒ Que publicações? As de hoje?

        ‒ Não, não essas em que você enfatiza a cor dos seus olhos a cada 10 minutos para receber elogios. Nem aquela do jaleco quando você disse que tinha amor à sua profissão da área da saúde, sem ter graduação na área.

    ‒ Como assim? Eu sou da área da Saúde... Não te disse que eu faço pós-graduação em Neuropsicologia? Eu atendo pessoas já...

    ‒ Disse, sim. Disse também que sua graduação-base era TI.

    ‒ Isso não quer dizer nada. Eu sou Neuropsicólogo.

    ‒ Claro, quem sou eu pra discordar, não é mesmo? Mas as postagens a que me refiro são aquelas de ontem, as misóginas...

      ‒ Eram só memes. Você está me julgando por postagens?

    ‒ E por acaso não é uma maneira de aferir aquilo que alguém pensa?

    ‒ É... realmente...

    ‒ Você já assistiu Blade Runner?

    ‒ Já, sim. Mas faz tempo. Não me lembro direito. Lembro daquela cena da chuva... Aaaahhh é por isso que você está me perguntando? Por que eu postei uma foto na chuva?

    ‒ Meu querido, os testes que você faz nos outros...Você já aplicou em si próprio? 

  ‒ ...

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Imagem: Freepik.