Alfonsina Salomão >> O Peso das Penas
Na volta, trouxeram consigo um mundo novo, capturado em fotos que eu examinava como quem folheia um livro de encantamentos. Minha mãe sorria em muitas delas — radiante, com um imenso cocar branco na cabeça. As imagens me hipnotizavam. Uma, especialmente, ficou gravada em mim: a de uma preguiça pendurada calmamente no barco deles. Aquela cena, serena e mágica, fez doer ainda mais a ausência que eu havia sentido. Por que não estive ali?
Houve algum consolo nos objetos que trouxeram. Eram peças curiosas, coloridas — quase mágicas aos meus olhos. Mas o que mais me fascinou foi um grande cocar feito de penas verdes de papagaio. Ele passou a fazer parte da decoração da nossa casa, como se um pedaço da Amazônia tivesse se instalado discretamente no nosso cotidiano.
Algum tempo depois, meu pai me convidou a vesti-lo. Colocou o cocar em minha cabeça, me deu duas lanças nas mãos, e tirou uma foto minha, em pé no meio da sala. Eu estava séria, compenetrada. Me sentia forte, importante — parte de uma história que me era alheia, mas que, por um breve instante, parecia também minha.
Décadas mais tarde, mostrei essa mesma fotografia a uma mulher indígena da Amazônia. A reação dela foi imediata: desconforto visível.
— Uma criança usando um cocar? — disse, entre o espanto e a indignação.
Naquele momento, o orgulho que um dia senti virou constrangimento. Um calor subiu ao rosto. Eu entendi. De forma clara e imediata.
Aquilo que, para mim, era uma lembrança mágica da infância — expressão de encantamento, curiosidade, fascínio — para ela era outra coisa: a reprodução de uma lógica de apropriação, o esvaziamento simbólico de uma cultura viva, a conversão de um objeto sagrado em ornamento. Uma história de silenciamento e exploração.
Essa não foi a primeira, nem a última vez em que nossas visões se desencontraram. Fica a pergunta: será possível, um dia, uma compreensão verdadeiramente horizontal e absoluta entre descendentes de
colonizadores e colonizados?
Comentários
Mas para além da minha curiosidade, é muito sensível seu texto. Eu só penso que, apesar da dura constatação, ainda é valida a memória doce da infância.