FLECHAS >> Sergio Geia
Presto sempre atenção no que Caetano diz e faz: ele me interessa. Como prestava atenção no que Clarice Lispector escrevia, como presto atenção na cabeça de Augusto dos Anjos, como presto atenção nos filmes de Arnaldo Jabor (quem reviu “O casamento”, na Globo, há duas semanas, sabe que vale a pena), como presto atenção nos desenhos de Mira Schendel.
Essa fala não é minha, mas de Caio Fernando Abreu. Ele diz muito mais em Caetano, caetanagem, crônica publicada em 1986, no Estadão. Estava lendo a crônica outro dia e ao passar por esse trecho interrompi a leitura.
Então pensei: ando prestando atenção? E ando prestando atenção em quem? Pensei mais um pouco e depois fui dar uma espiada nas minhas redes sociais. E pensei ainda mais, e depois de tanto olhar e pensar, fui invadido por um sentimento bom: acho que ando prestando atenção sim e numa moçada boa.
Talvez você não concorde comigo, lamento. Talvez sim, você concorde, oba. É que em certo momento da vida decidi que meu olhar precisava de amplitude. Ingersoll bate nessa tecla. Herdamos a maior parte de nossas opiniões, hábitos e costumes mentais, dizia ele. Se tivéssemos nascido em Constantinopla, acreditaríamos em Alá. Os americanos são divididos em centenas de seitas porque seus pais eram.
Quebrar a casca, sair do lugar seguro, do lugar-comum, olhar um pouco em outras direções, olhar o que está acontecendo fora de seu mundinho, e ter pelo menos um mínimo de compreensão de que a vida deve sorrir para todos e que em qualquer embate, o ser humano deve ser a premissa para você escolher o lado. É difícil, eu sei, a reflexão pode conduzir a transformação, e a transformação a rompimentos, causa estragos, envolve muitas variáveis e batalhas e talvez, você não esteja a fim.
Cada flechada que recebo vai refinando o meu olhar. Se a flecha vem de gente do bem, então é tudo. Quem disse isso ou coisa parecida foi a Maria Ribeiro, e nem sei se foi assim mesmo que ela disse. Meu modo de enxergar o mundo foi ganhando novos significados pelas flechadas que eu recebia de tanta gente boa.
Então vamos lá. Presto atenção no que diz Frei Betto; interessa-me sua visão de mundo. Presto atenção no que diz e faz padre Júlio Lancellotti. Fonte de luz pra mim são as palavras e a vida de Pepe Mujica. Leio Lygia, Caio e Clarice, eles me interessam. Como também me interessam Ruy Castro, Alvaro Costa e Silva, Leonardo Sakamoto, Antonio Prata e Maria Ribeiro. Ouço o que dizem Vera Magalhães, Erika Hilton, Lívia Sant’Anna Vaz e Guilherme Boulos. Saio sempre renovado do Teatro Oficina. Ouço Cazuza, ele me inspira. Sigo sempre atento ao que dizem Gil, Caetano e Chico, seja em falas ou em canções. E também José Trajano, Juca Kfouri e Casagrande. E ainda Milly Lacombe, Wagner Moura, Jean Wyllys e Marina Silva. E Djamila Ribeiro, Daniela Lima e Liniker.
Estarei sempre ligado nessa turma. Meu olhar estará em seus arcos. Meu ouvir, em suas bocas. Minha voz será erguida em suas lutas, as nossas. O meu corpo deseja suas flechas.
Ilustração: Pixabay
Comentários
É fato que as pessoas em quem vc presta atenção contam um pouco sobe quem vc é. Pra ser mais exata, o tipo de pessoa que vc é. Fiquei pensando se a gente escolhe em quem a gente presta atenção porque essas pessoas ressoam com nossas ideias ou se escolhemos prestar atenção nelas e por causa disso formamos as nossas ideias. A história do tostines. Mas também penso que prestar atenção com consciência é um caminho pra autenticidade.por falar nisso, hj escolhi prestar atenção em vc. Qto aos outros, preciso sentar e pensar. Nunca refleti sobre isso.