Alfonsina Salomão >> O Peso das Penas


Eu tinha sete anos quando meus pais viajaram para a Amazônia. Era Natal, e eu passei os dias na casa da minha avó, enquanto eles partiam rumo a uma aventura que, na minha imaginação infantil, era feita de selva densa, animais exóticos e segredos antigos. Eu sonhava com essa viagem. Não compreendia por que tinham me deixado para trás.

Na volta, trouxeram consigo um mundo novo, capturado em fotos que eu examinava como quem folheia um livro de encantamentos. Minha mãe sorria em muitas delas — radiante, com um imenso cocar branco na cabeça. As imagens me hipnotizavam. Uma, especialmente, ficou gravada em mim: a de uma preguiça pendurada calmamente no barco deles. Aquela cena, serena e mágica, fez doer ainda mais a ausência que eu havia sentido. Por que não estive ali?

Houve algum consolo nos objetos que trouxeram. Eram peças curiosas, coloridas — quase mágicas aos meus olhos. Mas o que mais me fascinou foi um grande cocar feito de penas verdes de papagaio. Ele passou a fazer parte da decoração da nossa casa, como se um pedaço da Amazônia tivesse se instalado discretamente no nosso cotidiano.

Algum tempo depois, meu pai me convidou a vesti-lo. Colocou o cocar em minha cabeça, me deu duas lanças nas mãos, e tirou uma foto minha, em pé no meio da sala. Eu estava séria, compenetrada. Me sentia forte, importante — parte de uma história que me era alheia, mas que, por um breve instante, parecia também minha.

Décadas mais tarde, mostrei essa mesma fotografia a uma mulher indígena da Amazônia. A reação dela foi imediata: desconforto visível.
— Uma criança usando um cocar? — disse, entre o espanto e a indignação.

Naquele momento, o orgulho que um dia senti virou constrangimento. Um calor subiu ao rosto. Eu entendi. De forma clara e imediata.

Aquilo que, para mim, era uma lembrança mágica da infância — expressão de encantamento, curiosidade, fascínio — para ela era outra coisa: a reprodução de uma lógica de apropriação, o esvaziamento simbólico de uma cultura viva, a conversão de um objeto sagrado em ornamento. Uma história de silenciamento e exploração.

Essa não foi a primeira, nem a última vez em que nossas visões se desencontraram. Fica a pergunta: será possível, um dia, uma compreensão verdadeiramente horizontal e absoluta entre descendentes de
colonizadores e colonizados?

Comentários

Nadia Coldebella disse…
Eu já pensei: porque uma criança não pode usar cocar? É coisa de adulto?
Mas para além da minha curiosidade, é muito sensível seu texto. Eu só penso que, apesar da dura constatação, ainda é valida a memória doce da infância.

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