CANÇÃO 3 DE 7 | SHADOW SONG >> Carla Dias >>
Que as noites continuem longas e silenciosas. Se for para quebrar silêncio: umas e outras canções, mas nunca rezas, que elas não o encantam, apenas o irritam. Mas todo o resto? Não tire do lugar o sofá, a mesa de jantar, a lâmpada que já não aguenta mais espalhar luz pela sala, mantendo o ambiente mergulhado em quase escuridão. Ajudando a embaçar realidade.
Mantenha os porta-retratos dispostos sobre o aparador. Nele moram imagens que ele não quer que lhe escapem. Deixe tudo onde tudo deve permanecer, protegendo marcas do tempo, onde se deitam lembranças de nascimentos, jornadas e mortes. Amores, dores e pequenos horrores, até risíveis tragédias.
Não preste atenção a ele, que, a cada olhar mais atento, cria um muro ainda mais alto do que o anterior. E ele o faz sorrindo, como se permanecer onde está – desejando com certa polidez o desejo que pede alvoroço, aprendendo da vida somente o que não desafia seus medos – fosse vitória. No entanto, trata-se de um desfile de perdas.
Perde quem acredita que ele seja a versão que o próprio oferece, que se esbalda no sarcasmo, desempenhando com maestria o papel de provedor de afastamento. Perde ele, que acredita ser possível misturar desse jeito o passado e o presente, como se relógio não desse de maximizar necessidades e vociferar urgências. Como se toda mudança fosse passível de ser controlada.
Algumas parecem ter vida própria.
Não toque nas cortinas, não troquem o armário de lugar. Tudo em suas marcas, reconhecível e controlável. Tudo sempre o mesmo nesse lugar onde o tempo parou, porque ele não sabe ser em outro lugar.
Que as noites seguirão longas e silenciosas. Ele continuará a colecionar possíveis impraticados, desejados refutados, fins que dariam em bons começos. Até que reste somente a própria sombra de companhia.
Então, quem sabe ele...
Still Life - Violin and Music © William Michael Harnett. Imagem: Catálogo digital The Met Collection
carladias.com
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