NÓS PODEMOS SER HERÓIS >> Clara Braga

Às vezes me pergunto de onde vem a necessidade de termos heróis da vida real.

O que me incomoda de fato não é nem a necessidade do herói em si, tudo bem dizer que seu pai, por exemplo, é seu herói. Tudo bem dizer que alguém que você admira fez algo que você considerou um ato heroico. A situação começa a me incomodar quando as pessoas passam a projetar naquela pessoa que fez algo muito bom, a imagem do herói que não erra, que não falha, que sempre aparece quando é necessário, que milagrosamente está sempre atento às situações de perigo e que, caso o perigo seja muito grande, ele tem amigos tão heróicos quanto ele que irão se juntar sem pestanejar para resolver tudo o que for necessário.

Sim, os heróis dos desenhos usam máscaras, escudos, capas, identidades secretas e tudo mais que for possível para deixar bem claro que eles são seres fantásticos. Mas nada disso é suficiente para que a gente pare de projetar em pessoas reais os super poderes sobrenaturais.

E o que mais me intriga nessa conversa toda é: quando o super homem fica fraco e quase morre por causa da também não existente kryptonita, todos se emocionam, compreendem e choram na certeza de que ele ainda é um herói, apenas passou por um momento difícil por ter encontrado aquilo que é seu único ponto fraco. Mas vai você, eleito herói da vida real sem nunca ter pedido para si esse título, cometer um erro e você sentirá a fúria do tribunal da internet, sempre pronto para julgar aqueles que não seguiram à risca aquilo que só eles achavam que deveria ser seguido. Usando termos bem contemporâneos, se você não seguir a cartilha do super humano, será cancelado.

Digo tudo isso pois recentemente vi uma filósofa comentando o que seria o tal herói da vida real, e finalmente encontrei uma ideia que fez sentido para mim dentro do nosso mundo onde ninguém voa em teias de aranha ou fica verde quando fica com raiva, embora alguns estejam quase lá. 

Ela dizia que primeiramente temos que entender que ser herói não tem absolutamente relação nenhuma com autoritarismo ou manipulação de pessoas para que elas concordem com seu ponto de vista (qualquer semelhança com os tempos atuais não é mera coincidência). O ser herói está na sua relação com você mesmo, ou seja, na sua habilidade de enfrentar seus problemas e se tornar, ao longo da vida, uma pessoa melhor. 

Só isso já me pareceu o suficiente, mas então ela disse uma frase que me marcou muito: herói é aquela pessoa que está tentando ser ela mesma em um mundo que está tentando fazer com que ela seja outra pessoa.

Fiquei um bom tempo com essa frase na cabeça e entendi o que me incomoda nessa busca das pessoas por heróis: muitas pessoas passam muito tempo procurando um herói para chamar de seu quando elas mesmas já são a definição real de super humanos.

Comentários

Sandra Modesto disse…
Sensacional a escolha do tema!Gostei muito.
J disse…
Muito bom! Um texto leve e ao mesmo tempo forte, dando uma pausa em que só se fala em pandemia.
Albir disse…
O obscurantismo destes tempos não perdoa sequer a fraqueza dos heróis. O linchamento foi substituído pelo cancelamento. A intolerância é a nova regra.

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