TRITURADOR DE SONHOS >> Sandra Modesto
Começaram a namorar durante o curso de teatro amador.
Uma história de amor forte. Ávida para o real. Juntaram as mochilas. Foram morar juntos.
Noites e dias de amor. Orgasmos, delírios e suspiros.
A pandemia chegou. Assistiam aos possíveis vídeos online. A ansiedade deu sinal. Um belo dia de domingo, exaustos de Brasil, alguma coisa tinha que acontecer.
— Olha! Isso não está certo. O presidente com Covid, e o povo desejando que ele morra!
— O quê? Você votou nesse cara?
— Votei.
— E não me contou?
— Não. O voto é secreto.
— Ah, tem razão. Não votei nele.
— Não? E me contou agora?
— Sim. O voto é secreto. Eu votei no professor. Fiz campanha. Sabe naquela manhã de setembro de 2018? Enquanto você virava pra o canto da cama, eu fui às ruas virar votos. O dia em que mulheres de todo o Brasil, se juntaram ao movimento “ELE NÃO”. No segundo turno, fui ao local de votação com um livro. Ah, você não reparou. Escolhi o livro de uma escritora preta, mineira, talentosa. Você sabe pouco de mim. Gosto de músicas, mas... Deixa pra lá.
Ele:
— Não interessa. Você votou errado. Perdeu o voto.
— Não, engano seu. Trocar um professor por um fascista? Eleito sem ter ido aos debates... E atualmente, mata o povo todos os dias. Esmaga os sonhos da gente.
Tudo certo. O casal parou. Encenação perfeita. O projeto- piloto estava ali. O roteiro pronto.
O título: “TRITURADOR DE SONHOS”.
A peça teatral usará interferências artísticas:
“Tenho sangrado demais/ tenho chorado pra cachorro/ ano passado eu morri/ mas esse ano eu não morro” (Sujeito de sorte/ música de Belchior)
“a gente combinamos de não morrer” (Conceição Evaristo/ no livro- OLHOS D’ÁGUA - página 99).
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