A SEDUÇÃO DAS DISTÂNCIAS >> Eduardo Loureiro Jr.

Gregory Colbert (corbis.com)

(Continuação de AS DISTÂNCIAS.)


"Amar é mover o dom
do fundo de uma paixão,
seduzir as pedras, catedrais...
coração."
(Djavan)


Sedução é uma daquelas palavras que, invertendo o ditado, vale por mil imagens: a serpente lustrando a maçã para Eva; Dalila dedilhando os cabelos de Sansão; dançarinas do ventre com olhos de estrela acima do véu; Don Juan incendiando e derretendo a carne de suas pretendentes...

Seduzir tem a ver com afastar do caminho, desencaminhar, desviar. A sedução convida a sinuosidades, cria veredas, faz percorrer distâncias. Fisicamente, provoca deslocamentos: seduzir é levar a lugares nunca antes visitados. Mentalmente, sugere devaneios: seduzir é fantasiar coisas inimagináveis. Emocionalmente, desperta instabilidades: seduzir é fazer sentir todo o bem e todo o mal quase simultaneamente.

E, no entanto, as distâncias que a sedução parece inventar já estavam todas lá, internas, guardadas dentro do seduzido como o mar se guarda dentro da concha.

A distância interna é aquela que criamos de nós mesmos. Pode ser física. Sim, física. Existem partes do nosso corpo que tocamos com mais raridade do que tocamos aquele parente que só vemos uma vez ao ano, durante as férias natalinas. Eu mesmo tenho um cravo no meio das costas que produz gordura há pelo 20 anos e que eu mal toco, por posicionamento e por falta de vontade, mas que minhas irmãs e namoradas têm explorado repetidamente com uma intensidade muito prazerosa. Seduzir, no plano físico, é cruzar toda a distância até o corpo que está longe. Imagine uma mulher descontente com um grande sinal no ombro. Sinal esse que ela esconde de todos, nunca usando uma blusa que deixe o ombro à mostra. Imagine agora um homem que, por um descuido da mulher, vê o sinal e se encanta por ele e a faz ver que aquele sinal é o que de mais bonito há em seu corpo. Esse homem, consciente ou inconscientemente, está seduzindo essa mulher. E ela se deixará seduzir porque para ela era insuportável essa distância física dela mesma.

A distância interna também pode ser mental. "Eu jamais pensaria uma coisa dessas", "como é que eu ia imaginar que fulano faria isso comigo?", "nunca passou pela minha cabeça que isso fosse possível"... Como é sutil o auto-engano! Claro que a pessoa pensou, por certo que imaginou, é óbvio que lhe passou pela cabeça. Mas ela estava distraída, alheia, distante do próprio conteúdo de sua mente. Como é libertador que o outro pense aquilo que nós mesmos nos proibimos pensar! Claro que, pra não dar muita bandeira, até para nós mesmos, consideraremos aquele pensamento supostamente alheio, aquela frase, aquela idéia, um absurdo, uma aberração, um pecado até. É preciso julgar e condenar o outro para nos absolvermos da possibilidade de termos tido aquilo aqui pertinho da gente. Aquilo é estranho, distante, não nos pertence. Mas a sedução está lançada, e o seduzido está pronto para percorrer a distância mesmo que disfarçada em difamação, polêmica, fofoca, noticia, informação.

E ainda pode ser emocional a distância interna. Quem já viveu um pouquinho deve ter tido a oportunidade de dizer "eu saí de mim", "aquele não era eu", "parece que eu estava possuído". Só o auto-abandono, a perda de identidade e a possessão parecem explicar aqueles momentos em que a gente está sentindo algo que, definitivamente, não deveria estar sentindo, mas está sentindo, e sentindo com uma tal intensidade que é melhor até exagerar ainda mais para que fique bem claro que não era a gente. Feito um ator que não quer se confundir com seu personagem e o caricaturiza. Como o poeta que finge "que é dor a dor que deveras sente". E aquele que despertou sentimento tão estrangeiro, sedutor por acaso ou por profissão, cravou fundo suas unhas na pessoa seduzida, que ainda pode se enganar, que ainda pode se entorpecer com novelas e filmes e livros e canções, projetando em figuras de ficção aqueles sentimentos que são seus na realidade e que agora, revelados subitamente pela sedução, não podem mais ser perdidos tamanha a energia que liberam para sua vida antes tão sem vida.

O sedutor, surpresa, talvez não seja então aquele sujeito traiçoeiro que se deve temer. Ele pode ser tão eficaz e inofensivo quanto um médico (que nos revela órgãos escondidos), um agente de viagens (que nos sugere novas culturas) ou um psicólogo (que nos apresenta nossas próprias emoções).

De tudo que foi dito, parecerá, ao leitor atento, que a função da sedução é menos de criar distâncias e mais de desfazê-las. E poderei tratar disso, do fim das distâncias, num outro momento, quem sabe semana que vem, caso o assunto ainda não esteja aborrecendo os leitores, atentos ou desatentos.

Comentários

Carla Dias disse…
Depois de ler sua crônica, repensarei a definição (totalmente pessoal) que adotei para a sedução.
Bela crônica, Eduardo.

Beijos!
Anônimo disse…
Nossa. Isso não é uma crônica, é uma tesa de mestrado!

Eduardo Loureiro Jr. - Mestre em Sedução.

Hahhah!
Beijo!
Anônimo disse…
Compus ALTER EGO...

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