O MUNDO TEM JEITO? [Anna Christina Saeta de Aguiar]

Certo, o título já sugere uma certa má vontade para com o mundo. Que não é totalmente real, mas, vá lá, tem hora que desanimo com tudo o que vejo, leio, assisto, ouço. Na verdade, é até injusto falar que “o mundo não tem jeito”, porque o mundo é o que as pessoas fazem dele. Então vamos combinar que “as pessoas que compõem o mundo” doravante serão designadas como “mundo” para efeitos práticos.

E “o mundo” anda tão complicado que fica difícil manter a fé de que um dia as coisas serão melhores do que hoje. Eu, que sempre fui otimista em relação ao ser humano – pois sempre acreditei que, devagarinho, aos poucos, “o mundo” está evoluindo, mudando alguns conceitos, tenho sentido crescente ceticismo ao tomar contato com o que pensam os jovens que utilizam a internet como canal para manifestar suas opiniões.

Preste atenção em qualquer discussão sobre, por exemplo, violência. Imagine um caso desses, tão comuns, em que um larápio qualquer, desarmado, seja assassinado por um civil ou policial enquanto furta um CD-player de um automóvel estacionado. O caso vira tema de um fórum e, em lugar de discussões sobre o aumento da violência e seus motivos, encontra-se uma seqüência absurda de opiniões favoráveis à morte do “bandido”. As velhas frases feitas “bandido bom é bandido morto”, “prefiro que chore a mãe dele do que a minha” e que tais são proferidas, ou melhor, escritas, por jovens de 20, 18, 13 anos. A mim, parece aterrador. Não quero ser hipócrita. Sou contra os “bandidos”, não gosto deles, não os quero perto de mim. Mas não concordo que se comemore uma morte, qualquer que seja ela. Entendo e compartilho a revolta contra o ato do ladrão, mas daí a aceitar e aprovar assassinatos cometidos pelos “cidadãos do bem” vai longa distância.

Outro dia, no Pará, um rapaz de aproximadamente 20 anos tentou roubar o celular de alguém, não me lembro se homem ou mulher. Estava desarmado. Houve reação, o ladrão tentou fugir mas foi alcançado por uma pequena multidão. Foi espancado, levou tapas, socos, pontapés. Pediu para não morrer, em vão. Jogaram-no ao chão e racharam seu crânio com pedradas. O assunto foi levado à discussão num fórum sobre futebol. O tópico teve mais de 2.000 respostas e a maioria das pessoas, todos jovens com algum poder aquisitivo e, supõem-se, informados, já que têm acesso à internet e razoável escolaridade, aplaudiram o linchamento, acreditando que gestos como esses sejam parte da “solução”.

Que solução é essa, que despreza o conhecimento das circunstâncias antes de emitir o julgamento? E qual será o impacto da morte de um ladrão de celular no mundo violento em que vivemos? Nenhum, acredito. As pessoas têm medo. Acham que, matando um ladrão, evita-se o surgimento um futuro assassino. Como saber? Quem garante que seria um assassino? E que lei é essa, aprovada e festejada publicamente por tantos jovens, que renega até os antigos conceitos da lei do talião e considera que é justo roubar a vida de quem lhe rouba um telefone celular? No dia em que eu achar que meu celular vale mais que a vida de um “bandido”, terei que aceitar que, da mesma maneira, minha vida valha menos do que um celular para ele.

Não pretendo admitir o roubo como ato justificável, nem defender condutas ilegais. Não quero, também, falar sobre o aspecto social da violência, que deveria ser a primeira preocupação de qualquer ser humano pensante que se preocupe com o assunto. Sinto, apenas, que muitos dos nossos jovens criados à base de Danoninho têm, aparentemente, o mesmo descaso pela vida que os jovens criados nas favelas e periferias, sujeitos à lei dos traficantes e foras-da-lei de grande influência. Tanto uns como outros entendem o assassinato como solução e legitimam a violência, os primeiros como forma de defesa, os últimos como a maneira de conseguir o que desejam.

O que me entristece é saber que as coisas vêm nesse tom há tempos, e que grande parte dos nossos jovens se recusa a enxergar outros ângulos do problema da violência, limitando-se a repetir, como robôs, frases infames aprendidas em algum programa sensacionalista da televisão. Onde estão as novas idéias, os novos conceitos, as sugestões que, talvez, tragam as soluções reais? Onde está a evolução, depois de tudo que já vimos e vivemos? Por onde foi que fugiu a capacidade da molecada de revolucionar essa visão arcaica e ineficaz que é herança de um tempo em que era proibida a livre expressão do pensamento? Será que parece mesmo tão absurda a idéia de que, quando se afirma que “é errado matar”, isso vale tanto para bandidos quanto para cidadãos honestos?

É, estou ficando velha. No entanto, apesar do tom crítico, eu ainda acredito que criamos, sim, uma geração em que os jovens que repudiam a violência e que acreditam na força de suas idéias são mais numerosos do que eram há 20 ou 30 anos, e que daqui a alguns anos, serão mais numerosos do que são hoje. Vejo isso nos olhos das nossas crianças, que têm acesso aos desenhos educativos que pregam o amor, a paz, a amizade, o perdão e a compreensão como valores, tudo isso sem perder a capacidade de divertir e entreter.

Então, respondendo a minha própria pergunta: não sei se o mundo tem jeito, mas tenho fé de que sempre haverá quem tente melhorá-lo. Já é um progresso.

Comentários

Parece que você já tomou conta das rédeas das palavras, Chris! :)

Sua crônica, que combina bem emoção e razão, é para mim uma prova de que "o mundo" tem jeito, sim, que nós temos jeito, sim. :)
Anônimo disse…
Fico feliz em ver que ainda existem pessoas sensatas!! Tenho 3 filhos ainda pequenos (6 e 10) e tento passar para eles o que na minha opinião é certo ou errado e sempre deixo um espaço para suas opiniões. Não existe prisão pior do que a mental. Vejo hoje, que essa juventude tem uma visão do mundo muito estreita (como se teleguiados fossem, sem personalidade própria).Isso é ruim, muito ruim.
Blog do Cintrão disse…
Anna Chris, cadê você, minha escritora? Não deixe a fase sem letras deixá-la sem as letras. Faz mal, sufoca, faz engasgar. Balanceo esqueleto, venha para o vomitório das palavras. Volta Anna Chris, volta!!! Você faz falta.

Beijos,
Mau
Unknown disse…
Boa tarde!

Anna Chris preciso da sua biografia de cronista aonde posso encontrar?
Estou fazendo um trabalho acadêmico sobre crônicas do Séc. 21 e inseri uma crônica sua.

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