MEU CARO AMIGO [Anna Christina Saeta de Aguiar]

Meu caro amigo, andei de novo descumprindo promessas. Descumpri uma que fiz aqui mesmo, nestas páginas, de que estaria de letras presentes todas as quintas-feiras. Mas não foi por querer, ou melhor, não foi por não querer. Aliás, quase nunca é por não querer que não faço. Sempre tenho ótimas justificativas, nem sempre convincentes para os outros, mas sempre muito verdadeiras.

Primeiro deixa te dizer que achei muito legal você ter deixado aquele comentário, que me encheu o coração de alegria. Uma das coisas de que mais gostei na nova página, por falar nisso, foi essa possibilidade de receber e postar comentários, dessa aproximação maior entre todos nós.

Depois, achei engraçado e meio telepático que você tenha usado a palavra "vomitório", porque, creia-me, vomitório foi o que não me faltou na quinta-feira da semana passada - oh, céus, perdoem por usar a palavra vomitório para me referir não às palavras, o que é bastante limpinho, mas sim à, ahn, perdoem, vômito mesmo.

Você sabe, eu sou tia de um sobrinho único. Ele tem 4 anos e seu nome é Matheus. Matheus é o sobrinho mais perfeito e maravilhoso que se possa imaginar. Tem cabelos encaracolados, uma boquinha miúda e esperta e os olhos castanhos mais enormes e lindos que Deus conseguiu fabricar neste mandato.

Pois na quinta-feira eu estava em casa, sozinha (estou de férias, temporariamente afastada daquele computador que costumo chamar de "meu"), pronta para me sentar à frente da televisão com o notebook no colo quando tocou o telefone. Era a professora do Matheus, dizendo que ele não estava muito bem, que tinha dores de barriga e estava suando frio.

Prendi o cabelo, entrei no carro e fui correndo para a escolinha, onde encontrei o Matheus dormindo num colchonete. Estava um pouco pálido, com uma expressão triste que fazia com que seus olhos parecessem ainda maiores e mais castanhos. Peguei meu menino encantado no colo - o que não é tarefa fácil, pois é um meninão - e viemos para casa.

Foi só descer do carro - e obrigada, meu anjinho, por isso - que o tal vomitório - perdoem, perdoem! - começou. Uma vez, duas, quatro até conseguirmos entrar em casa e correr para dentro do banheiro. Nem foi um vomitório assim tão... desagradável quanto poderia ser, porque o Matheus, já não estando muito bem e ainda se recuperando de uma virose, só tinha comido gelatina de morango naquele dia. Então o que nos atingiu foi um vomitório cor-de-rosa e sem cheiro (desculpem!!!), um vomitório de choro (dele) e um vomitório de incredulidade (minha).

Depois de dar um bom banho no Matheus, penteá-lo, vesti-lo e tomar o meu próprio banho - pois o vomitório, é claro, não me poupou em absoluto - sentamos na sala em frente ao Discovery Kids e tomamos soro - ele tomou um soro de sabor maçã, eu tomei água de côco - e uma nuvem de paz e cheirinho de sabonete nos envolveu. Como era bom estar sentada ali, do lado do Matheus, e ver seus olhos maravilhosos de novo sorrindo (os olhos dele sorriem incrivelmente). Ficamos sozinhos por mais algumas horas antes que a mãe dele ou a minha chegassem.

Conversamos, e ele me disse que "estava ótimo!", que gostava muito de mim porque eu o tinha ido buscar "bem rapidinho" e que eu tinha "cuidado direitinho dele". Orgulho! Ele ficou ali, ao meu lado, amparando-se no meu corpo com aquela confiança que só as crianças podem ter e que é o presente mais maravilhoso que se pode receber de alguém. Naquelas poucas horas, nós dois, tia e sobrinho, não precisamos de mais ninguém, pois eu tinha cuidado dele e ele tinha confiado em mim. Ele não chamou a mãe dele nenhuma vez... nem eu a minha.

À noite, com a casa cheia, ouvi o Matheus, aos berros, muito animado, contando para a mãe dele o que tinha acontecido naquela tarde: "Mamãe, eu vomitei em tudo! Vomitei na Tiá (essa sou eu)! Vomitei no corredor! Nos carros que passavam na rua! No cachorrinho do jardim! No avião do céu! No gato do telhado! Vomitei até no Paraguai (ele tem uma estranha afeição pelo Paraguai)! Vomitei até no banheiro, mamãe!!!" Impossível não rir ouvindo isso e, mais ainda, impossível não gargalhar ao ouvi-lo completar o relato dizendo que, afinal, ele tinha "se divertido muito" com o episódio.

E foi por isso que eu faltei na semana passada, meu amigo. Plenamente justificável, eu creio. Estava sendo tia, ou melhor, estava sendo Tiá. E, sabe, tem uma coisa que pouca gente sabe sobre as tias. É que elas - as tias - não precisam ser mães para amar uma criança com um amor maior que a vida. As tias, consanguíneas ou adotadas, são capazes de amar o filho de outra pessoa de um modo que poucas mulheres que tenham seus próprios filhos conseguem fazer. Ponto para as tias.

Comentários

Blog do Cintrão disse…
Sobrinhos somos todos e ai de você se achar que não posso me assobrinhar de uma Tiá tão dedicada como essa.

Confesso que sou bem mais pesadinho do que o Matheus e não acho tanta graça no Paraguai. Mas concordo com ele: a Tiá é dez. Tão dez que conseguiu me fazer ler sobre essa vomitança toda sem embrulhar o estômago nenhuma vez.

Obrigado, Matheus. Você trouxe a Tiá de volta.

Fica, Tiá, que o seu colo faz falta prá leitura da gente.
Linda crônica, Chris! Perfeição de tia, perfeição de cronista.

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