AS DISTÂNCIAS >> Eduardo Loureiro Jr.

corbis.comMais próximo que o beijo
é o pensamento
compartilhado.
Mais íntimo que o sexo
é o coração
aberto.
(Eduardo Loureiro Jr.)

É atraente pensar que o que nos separa são os quilômetros. É ainda mais sedutor supor que beijos, abraços e penetrações são os responsáveis pela união.

Que incomoda mais os amantes: duas semanas sem se ver ou cinco dias sem qualquer tipo de comunicação, sem uma notícia sequer? E o que descontenta mais: cinco dias sem diálogo ou palavras diárias superficiais, sem afeição? A distância física se encolhe diante da distância mental, que se apequena diante da distância emocional.

Quando um amante pergunta a outro "no que é que você está pensando?", ele está tentando diminuir uma distância mental. O outro tem uma fração de segundo para confirmar a distância - recusando-se a dizer o que pensa -, para reduzir a distância - revelando seu pensamento - ou para ocultar a distância - afirmando pensar uma coisa diferente da qual está realmente pensando. "O pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar." Desse vôo de um amante, o outro amante está muitas vezes excluído. O corpo pode até estar lá, mas o pensamento tem a capacidade de se ausentar, mesmo que deixe palavras guardando o lugar. A distância mental vem da crença de que o outro não pode ter acesso ao que pensamos. Iludimo-nos, dizendo a nós mesmos que a omissão é para proteger o outro, que o outro ainda não pode compreender nosso pensamento torto, ou elevado, ou complexo: "para que ele entenda isso que eu penso, eu teria que lhe contar toda a história da minha vida". Quem guarda o que pensa para si tem medo do julgamento: "que vai dizer de mim?" Pior: "que vai pensar de mim e, mesmo pensando, não irá me dizer, julgando-me e condenando-me em silêncio?". Teme-se a perda do outro, e o próprio medo de perder faz com que se crie a distância que é a perdição. A distância mental não gosta de riscos, prefere ficar segura em seus segredos de pensamentos e palavras.

A distância emocional é sutil. É mais fácil reconhecer um pensamento próprio, mesmo que escolhamos ocultá-lo do outro, do que reconhecer um sentimento. É curioso que os amantes não se perguntem com mais freqüência "o que você está sentindo?". Às vezes se pergunta "você me ama?", e a resposta é óbvia, "sim", já que qualquer outra resposta, mesmo um sincero "não sei", ameaçaria, na visão do perguntador, o próprio relacionamento. O pensamento é aéreo, o sentimento é fluido. O pensamento não pode ser visto. O sentimento pode até ser visto, transbordante que é em gestos, lágrimas, olhares, mas o seu caráter não é facilmente definido: "o coração tem razões que a própria razão desconhece". O encanto, nos relacionamentos, vem daí: um amante sente uma coisa e o outro amante pensa que seu parceiro está sentindo outra coisa diferente, uma coisa melhor e mais bonita do que o outro está realmente sentindo. O desencanto também vem daí: chega um momento em que o sentimento real de um entra em choque com o sentimento idealizado pelo outro. Na distância emocional, também não se permite que o outro saiba, e isso se faz sutilmente, tentando sentir aquilo que se pensa que o outro acha que você está sentindo. Se um amante percebe que o outro acha que o primeiro sente saudades, então o primeiro vai tentar sentir saudades. Pode ser um fingimento enganador, pode ser um fingimento bem intencionado e pode até ser um fingimento inconsciente: o amante realmente acha que está sentindo aquilo que não está. A distância emocional não gosta de enfrentamentos: desvia-se, toma a forma do desejo do outro.

E isso nos levaria às distâncias que não são externas, mas internas. Não mais as distâncias entre os amantes, mas a distância de si mesmo dentro de cada amante. E também nos levaria a uma maior compreensão da sedução, esse assunto tão fascinante. Mas não pretendo tomar todo o dia dos leitores com uma longa crônica. Se houver interesse (aproximem-se mental e emocionalmente), eu lhes levo às distâncias internas e à sedução no próximo domingo.

Comentários

Anônimo disse…
Sinceramente, não sei o que é pior.. a distância física ou a emocional. Acho que uma leva à outra... e o contrário também é verdadeiro. Achei essa crônica muito triste, Eduardo. Essa coisa de distância não tá me fazendo bem não! Acho que a sedução vai cair melhor..

:)
Carla Dias disse…
Eu vejo possibilidade de se fisgar sabedoria, através das distâncias... Não como regra, mas como matéria-prima da observância. Acho a distância emocional das mais doídas. E também que, quando contemplamos distâncias, podemos alcançar a compreensão do que realmente desejamos para nós e para aqueles que nos cercam. Distâncias podem ser passos adiante. Quando sabemos ser hora de encurtá-las, transformamos dores em coragem de puxar o fio que nos aproximará do que(m) buscamos.

É preciso coragem para soletrar distâncias.

E por aqui fico: distâncias a tiracolo e à espera do próximo domingo que jurado foi de ser fisgado pela sedução.
Anônimo disse…
Du, que foto linda!
Interessante a discussão sobre as distâncias físicas, emocionais, de pensamento...

Vou aguardar a continuação dela na próxima semana.

Beijo,

Inês
Ai, Eduardo,
Sempre bom ler suas divagações sobre amor, distâncias, emoções e pensamentos...
E sim: que venham as distâncias internas e as seduções... Sempre...
Beijo.
Anônimo disse…
"Saber amar é saber deixar alguém te amar" (Herbert Vianna).

"A gente não percebe o amor que se perde aos poucos sem virar carinho. Guardar o amor lá dentro não impede que ele se empedre mesmo crendo-se infinito. Tornar o amor real é expulsá-lo de você para que ele possa ser de alguém" (Nando Reis).

"But gravity always wins" (Radiohead)

Alter Ego foi composta para isso... Eu fiz minha parte. Você fez a sua?

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