NANO-MICRO-CONTOS [Débora Böttcher]
A Casa das Mil Portas é um projeto idealizado por Nemo Nox, com centenas de microcontos escritos por blogueiros brasileiros e portugueses. O desafio é a tentativa extremamente econômica de contar ou sugerir uma história inteira com cinqüenta letras – ou menos. No site mencionado, Nemo conta que o microconto possivelmente mais famoso é do escritor guatemalteco Augusto Monterroso: "Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá."
Ernest Hemingway é autor de outro famoso miniconto. Com apenas vinte e seis letras, conseguiu contar toda uma história de tragédia familiar: "Vende-se: sapatos de bebê, sem uso".
Marcelino Freire publicou em 2004 a obra "Os Cem Menores Contos do Século", em que desafiou cem escritores a produzir contos com cinqüenta letras (no máximo).
Não existe um rigor para esse tipo de escrita e depende mais de critérios editoriais de quem os adota, uma vez que a teoria literária ainda não reconhece essa vertente de texto como gênero literário à parte. Alguns autores conceituam e estipulam limites precisos, nascendo assim algumas classificações:
- Nanocontos: até 50 letras, sem contar espaços e acentos;
- Microcontos: até 150 toques, ou seja, contando letras, espaços e pontuação;
- Minicontos: alguns estipulando 300 palavras, outros com limite de 600 caracteres.
Eu sempre achei essa maneira de escrever super interessante - como os haikais. Nessa linha de pensamento, muito mais importante que mostrar é sugerir, deixando ao leitor a tarefa de "preencher" as lacunas da pequena narração e imaginar a história por trás da enxuta frase. Por essas e outras, deixo aqui uma das minhas séries de nano-micro-contos:
Foi ao psiquiatra pra se livrar da dor; enlouqueceu de vez.
Dormia de pijama; passeava nua pelos sonhos.
Tomou o trem para esquecê-lo; encontrou-o na estação seguinte.
Desenhava retratos sob as luzes de Paris; enquanto perdia a visão.
Conheceram-se pela internet; uma traição virtual os separou.
Saltou da ponte sobre as águas; mergulhou na imensidão.
Tinha saudades da infância; mas ainda não tinha crescido.
Saiu desnorteado. Capotou na curva do túnel.
Andava sempre em linha reta. Morreu na contra-mão.
Incendiou a casa. Por dentro, ardia em chamas.
Amava a esposa do irmão. Casou-se com sua irmã.
Jurou que nunca a abandonaria. Mentiu sem intenção.
Queria ser atriz. Brilhou nos palcos da vida.
Perdoou a traição do marido. Envenenou a amante.
Ouvia música no último volume. Estava surdo.
Colecionava vestidos, sapatos e maridos. Em armários e fotos.
Depois da primeira vez, nunca mais amou.
Anotou na agenda do dia seguinte: viver urgentemente.
Vingava-se da mãe em todas as mulheres. Punia a si mesmo.
Ignorou o pedido de desculpas. Amargou seu orgulho.
Tinha síndrome de caranguejo: voltava sempre pra ex-mulher.
Impôs distância da recaída. Com mandato judicial.
Embriagou-se a noite toda. Jorrava álcool pelas veias.
Abortou antes mesmo de saber que estava grávida.
Não retornou ao chamado. Arrependeu-se muito tarde.
Tinha lembranças demais. Não sobrava tempo pra viver.
Olha-se no espelho todo dia. Ainda não descobriu quem é.
Imagens: (1) Illustration, Quint Buchholz; (2) A Minha Mulher Nua, Salvador Dali, 1945
Expressões Letradas
Ernest Hemingway é autor de outro famoso miniconto. Com apenas vinte e seis letras, conseguiu contar toda uma história de tragédia familiar: "Vende-se: sapatos de bebê, sem uso".
Marcelino Freire publicou em 2004 a obra "Os Cem Menores Contos do Século", em que desafiou cem escritores a produzir contos com cinqüenta letras (no máximo).
Não existe um rigor para esse tipo de escrita e depende mais de critérios editoriais de quem os adota, uma vez que a teoria literária ainda não reconhece essa vertente de texto como gênero literário à parte. Alguns autores conceituam e estipulam limites precisos, nascendo assim algumas classificações:
- Nanocontos: até 50 letras, sem contar espaços e acentos;
- Microcontos: até 150 toques, ou seja, contando letras, espaços e pontuação;
- Minicontos: alguns estipulando 300 palavras, outros com limite de 600 caracteres.
Eu sempre achei essa maneira de escrever super interessante - como os haikais. Nessa linha de pensamento, muito mais importante que mostrar é sugerir, deixando ao leitor a tarefa de "preencher" as lacunas da pequena narração e imaginar a história por trás da enxuta frase. Por essas e outras, deixo aqui uma das minhas séries de nano-micro-contos:
Foi ao psiquiatra pra se livrar da dor; enlouqueceu de vez.
Dormia de pijama; passeava nua pelos sonhos.
Tomou o trem para esquecê-lo; encontrou-o na estação seguinte.
Desenhava retratos sob as luzes de Paris; enquanto perdia a visão.
Conheceram-se pela internet; uma traição virtual os separou.
Saltou da ponte sobre as águas; mergulhou na imensidão.
Tinha saudades da infância; mas ainda não tinha crescido.
Saiu desnorteado. Capotou na curva do túnel.
Andava sempre em linha reta. Morreu na contra-mão.
Incendiou a casa. Por dentro, ardia em chamas.
Amava a esposa do irmão. Casou-se com sua irmã.
Jurou que nunca a abandonaria. Mentiu sem intenção.
Queria ser atriz. Brilhou nos palcos da vida.
Perdoou a traição do marido. Envenenou a amante.
Ouvia música no último volume. Estava surdo.
Colecionava vestidos, sapatos e maridos. Em armários e fotos.
Depois da primeira vez, nunca mais amou.
Anotou na agenda do dia seguinte: viver urgentemente.
Vingava-se da mãe em todas as mulheres. Punia a si mesmo.
Ignorou o pedido de desculpas. Amargou seu orgulho.
Tinha síndrome de caranguejo: voltava sempre pra ex-mulher.
Impôs distância da recaída. Com mandato judicial.
Embriagou-se a noite toda. Jorrava álcool pelas veias.
Abortou antes mesmo de saber que estava grávida.
Não retornou ao chamado. Arrependeu-se muito tarde.
Tinha lembranças demais. Não sobrava tempo pra viver.
Olha-se no espelho todo dia. Ainda não descobriu quem é.
Imagens: (1) Illustration, Quint Buchholz; (2) A Minha Mulher Nua, Salvador Dali, 1945
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