DE MILAGRES BANAIS [Ana Coutinho]

Ficamos os três casais lá, no quarto, ela sorrindo, muda, tensa, disfarçando uma emoção indisfarçável. Sugeri que eles pegassem uma bebida e eles entenderam, saíram e ficamos enfim a sós, as três mulheres, querendo saber o segredo que tanto afligia minha amiga.

Ela agarrou a bolsa, e, de lá, tirou um embrulhinho em papel sulfite. Foi desembrulhando o papel rápido, as mão tremiam, ela ria e seus olhos brilhavam. Quando terminou de desembrulhar o que parecia ser um tesouro milagroso, lá estava o objeto, simples, barato até. Ali, sob o olhar de três amigas, um teste de farmácia. Chamava-se Baby check, e tinha as tais duas listras que significava positivo.
Mas calma, não eram mesmo duas listras e essa era a razão da agonia da minha linda amiga. Era uma listra bem forte, dizendo que o teste tinha sido feito com sucesso, e uma outra, a que indicaria uma gravidez, mas que estava bem fraquinha, rosadinha de leve, quase que uma “marca d`água de power point”.
“E aí gente? Essa linha estranha? Estou meio grávida?” - ela perguntou ansiosa.
Eu, que nunca fiquei grávida, não sabia o que dizer. Assistia ali, uma amiga tão querida que tinha os lhos marejados, as mãos trêmulas, diante da possibilidade mágica: o filho que ela tanto desejava, talvez estivesse a caminho...
Foi quando, num piscar de olhos, a outra amiga sentenciou: “Ihh, tá grávida mesmo! Parabéns lindona!”.
Elas se abraçaram, olhos cheios d`água:
- Tem certeza? O seu foi assim? – ela ainda não conseguia acreditar.
- Foi!! Tô falando; se dá outra linha é gravidez, não importa se é fraquinha. Se não está grávida, não aparece outra linha, não... Pode saber, vc está gravidíssima!
Pronto. A mais experiente das três falou, estava dito. Tínhamos um bebê a caminho. Abracei a minha amiga querida, meio sem jeito, ainda olhando o teste, desejando felicidades. Sentamos as três na cama de casal, e ficamos falando mil coisas. E agora? E o sexo – menino? menina? E se for gêmeos? De quanto tempo está? Como vai chamar? Que faculdade vai fazer?
Rimos. Rimos as três meninas tontas, já casadas, mulheres feitas, que se emocionavam com o que há de mais natural no mundo, uma mulher grávida.
Quando fomos para a sala, em silêncio, assisti a minha amiga grávida sentar-se ao lado do marido. Pegou a mão dele, apertou forte, tentava conter o riso, mas não conseguia. O homem a olhou sério: “Tá tudo bem, amor?” Ela fez que sim com a cabeça e ele não entendeu.

Me emocionei subitamente. Me emocionei pensando que logo seríamos mais. Éramos três casais e um bebê, e, logo, seríamos três casais e dois bebês. E logo o bebê seria uma criança, e depois, um adolescente. E nós, que éramos duas amigas desde sempre, agora seríamos duas amigas e uma pequena criança. Nós, que mal conseguimos escolher entre dois vestidos, logo teríamos que escolher como educar uma pessoa. Que nome essa pessoa vai ter por toda a vida. Que comida vai gostar, que valores vai exercer, que palavras vai aprender, com que olhares essa nova pessoa vai olhar o novo mundo que se abrirá sobre ela? A gente não sabe. A gente não sabe como esse pequeno milagre, tão corriqueiro, tão banal, nos escolhe.
E assim, num sábado frio qualquer, duas listras aparecem num exame. E a vida, sempre tão atribulada, às vezes tão repetitiva, torna-se, subitamente, preenchida de um encantamento único. Um susto, uma alegria, um pavor talvez, mas, acima de tudo, um doce encantamento.
Imagens (1) Quinqué, Sandra Dooley; (2) Grávida, Pappoulla
Doce Rotina
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