Distantes da longa passagem >> Leonardo Marona

A alma branca avança sobre o papel. O corpo e o papel estão seguros mas, em corpo delito, debatem-se. O corpo e o papel estão pálidos, estão constrangidos. O corpo rói as unhas e constrói monumentos, o papel ameaça voar pela janela em falsa rebeldia. A alma, mais ampla que a mesura, invade o papel feito uma drag queen. A alma está nua, enlameada, ostenta um sexo híbrido. Rajadas de vento e trovão torturam as árvores. A alma passa feito um comício de silêncio, derrubando eras e reinados. A alma não é nem do corpo nem do papel, assim como o papel não é do corpo, e o corpo não é da alma. A alma vem vindo e passa, coração espacial, assim como fazem o corpo e o papel, mas o movimento da alma é a substância do corpo e do papel – não o contrário. A alma vem e passa banhada em sangue: sua peculiaridade secular de espinhos. A alma está nua, mas não está envergonhada. O corpo e o papel estão protegidos, mas têm medo. A alma branca invade o papel como um lago de nanquim. A alma branca sem asas, as brasas da alma branca, intocável e finita, e o papel cúmplice do corpo, ambos protegidos, censurados, semi-acordados, ambos trêmulos e distantes da longa passagem. O corpo desliga o telefone, sentindo-se culpado. O corpo assina promissórias, enquanto a liberdade obscena da alma deixa o papel tão tímido e humilde, que voa branco pela janela.

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