VOCÊ CONHECE ALGUÉM ASSIM >> Zoraya Cesar
Ser madrinha de
casamento da melhor amiga é uma honra, certo? Motivo de orgulho, diriam muitos.
Mas não Irene, que sentiu um espinho na alma, mais um de uma longa série que
aquela amizade lhe cravava. Não tendo
namorado ou amigo próximo, seria a única madrinha a ir sozinha. A amiga sabia disso, convidou de propósito,
pensou, ela sempre dá um jeito de eu me sentir deslocada.
A tal amiga,
desde adolescentes, levava Irene para todos os lugares. Aos finais de semana, iam para o clube,
caríssimo, do qual ela, remediada, jamais poderia ser sócia. Aproveitavam a
piscina enorme, a sala de cinema, as quadras de esportes, o salão de jogos que
mais parecia uma vila olímpica. Depois, geralmente a amiga a convidava para
dormir em sua casa, onde só o quarto era maior que a sala do apartamento de
Irene. Que, remoía-se por dentro, chamando a amiga de soberba e exibida, mas
jamais deixando de aceitar os convites, irresistivelmente atraída pelo luxo e
pela oportunidade de mostrar a todos o quanto era prestigiada pela menina mais
popular do colégio – do qual Irene era bolsista.
Sempre que
voltava de viagem – geralmente da Europa -, a amiga trazia presentes, mostrava
fotos, contava os detalhes. Irene sentava a seu lado, mexendo a cabeça de um
lado para outro, qual brinquedo quebrado, pensando em como gostaria de ter
feito aqueles passeios e em como a outra era cruel em sua pretensa generosidade.
Toda aquela
amizade parecia ter como único objetivo humilhar Irene. Se a amiga lhe
apresentava algum conhecido, é porque o cara devia ser um lixo, ruminava. Se a
ajudava no inglês, era apenas para exibir sua fluência na língua; se a chamava
para festas, era só para mostrar o quanto era popular. Aos 18 anos a amiga
comprou um carro. Quem foi a primeira a dar uma volta? Irene. Morta de raiva por
não saber dirigir e de ser sempre a carona. Para ela, só as sobras, só o papel
de coadjuvante. Essa cretina, pensava, gosta de se sentir superior às minhas
custas. Por isso, quando a outra começou um trabalho voluntário, ela acompanhou,
mesmo detestando cada minuto, afinal, a amiga era rica, podia se dar ao luxo de
perder tempo com gente pobre, ela não! Ela tinha de investir seu tempo para
ganhar dinheiro e arranjar um namorado que matasse todas de inveja.
Mas enquanto o amor
e o emprego dos sonhos não chegavam, ela aproveitava o quanto podia. E
cultivava a amizade cuidadosamente, para não deixar de ir a festas e lugares
para os quais nunca seria convidada; de receber presentes que jamais compraria,
freqüentar clubes dos quais jamais seria sócia. E conhecer pessoas às quais, de
outra forma, nunca seria apresentada.
O sexo oposto
ignorava Irene? Não. Era feia, pouco inteligente, desprovida de encantos? Não
mesmo. Mas quem a levaria a sério, quando a amiga era tão mais bonita,
charmosa, rica, inteligente e loura? Os caras só queriam se divertir às suas
custas, claro, acreditava. Então era paupérrima, miserável, passava necessidade?
De jeito nenhum. Ela apenas vivia na conta certa do necessário com dignidade, sem
nada sobrando. Minto. Havia uma coisa que Irene tinha de sobra.
Ressentimento.
Quando o
casamento foi anunciado, Irene ficou doente. A vida não era justa. Aquela falsa
iria casar? E com “ele”? Lindo, rico, perfeito?
E mais do que nunca se sentiu rejeitada pela sorte.
A amiga pagou para
ela o aluguel do vestido e a maquiagem, disse que não queria presente, a
amizade de tantos anos bastava. Claro, contorcia-se Irene, sempre querendo ser
boazinha, só me chamou porque sabia que eu não poderia pagar a roupa.
Durante a
cerimônia, seus olhos não desgrudavam da noiva. Ela se via naquele vestido, casada,
em lua-de-mel, freqüentando lugares sofisticados, sendo adorada, incensada,
amada. Com o dinheiro dela eu também seria bonita e inteligente e todos me
amariam. Ela só tem amigos porque é rica. Eu também os teria. Maldita,
exasperava-se. Como se eu precisasse dos seus cursos de inglês, convites para
festas, encontros arranjados, clubes, casas na praia, eu não quero nada de você,
nada.
Eu só quero uma
coisa, pensou.
E quando o padre
perguntou se o noivo aceitava a amiga como esposa, Irene jogou-se para frente, agarrou-o
e gritou sim, sim, sim, eu aceito, sou eu a sua mulher, essa vida deveria ser
minha, e soluçava e ria ao mesmo tempo, revelando segredos contados sob a meia-luz
daquela amizade, até ser retirada da igreja, totalmente descontrolada,
destilando ódio, ódio, ódio.
Se Irene era patologicamente
invejosa, ou se a tal amiga era realmente pérfida, creio que só elas podem
dizer. Se é que alguém assume tais falhas de caráter para si mesmo. Ou para os outros.
Essa história
tem um final? Não exatamente. Mas se depois de ler esse relato você ainda tiver
uma Irene na sua vida... bem, não diga que não avisei.
Comentários
Crônica interessante ... parabéns
PARABÉNS
Parabéns pelo texto, capaz de desencadear uma série de reflexões...
/beijos. Aglae
Mas acho que há muitas por aí, não? A única coisa que posso almejar e nunca me tornar uma Irene. Beijos!