NEUROSES NOSSAS DE CADA DIA [Ana Gonzalez]
O assunto de proibição ao cigarro voltou à baila com a lei federal que proíbe o cigarro em todo o Brasil. Por aqui, as pessoas já não reclamam tanto, cansaram e se adaptaram à situação. No começo era um vozerio em torno da liberdade de as pessoas fumarem. Até onde pode ir a ingerência do governo sobre nossas vidas? Enfim, tudo se acomoda e as coisas se assentarão também pelo bem da saúde da família brasileira.
Mas, a minha questão não é com o cigarro, mas com as bitucas. Andando por ruas e calçadas, elas estão por aí, à nossa volta. Amassadas, espatifadas, desperdiçadas, apertadas. Cigarros meio inteiros, meio fumados. Para onde olharmos, lá estarão, pois é hábito jogar no chão. Por que não?
Muito desagradável. Me incomoda. Na verdade, fico muito brava. Fico enraivecida. Colérica. É isso. Cheguei ao ponto. Não há o que fazer e isso é mal. Fico mobilizada à explosão quando vejo que a s pessoas não se apercebem de que a rua é domínio público e não o lixo de suas casas, de suas vidas privadas.
Ando, por estas paragens paulistanas, perguntando para quem joga a bituca no chão: “Jura pra mim que da próxima vez você joga no lixo?” A reação das pessoas varia muito. Rico material para tese de mestrado em comportamento urbano. Muitas vezes, ficam bravas. Ameaçadas? Policiadas? Pegas no flagra? Em outras, elas trazem respostas nada criativas: Onde você está vendo o lixo? Ou então, fecham a cara e dão respostas menos educadas. Já vi de tudo. Da natureza humana - variada e complexa - posso esperar qualquer coisa. Não me incomoda. Observo, assisto interessada e irada.
Meu filho me disse que eu tome cuidado porque eu posso me dar mal. Ouvi com atenção. Preenchi sua preocupação com dados de realidade. Perigos possíveis à vista.
Juro que já tentei parar com essa mania. Pensando que não sou polícia ou coisa parecida. Que cada um faça o que puder pela limpeza das calçadas e ruas, da cidade, do estado e do mundo. Mas não dá. Eu presencio a hora exata do acontecimento. Pego flagras homéricos. De janela de ônibus, de carros de todos os tipos, de pessoas que estão paradas nas calçadas esperando o sinal fechar. A pessoa que está dando as últimas tragadas, certamente jogará a bituca final, representação última do prazer assumido, no chão. Disfarçadamente. Ou descaradamente. Busco sempre a reação que abra um sorriso maroto e uma concordância comigo. Muito raramente, já aconteceu.
E hoje cedo foi assim. Eu vi uma mulher de seus quarenta anos, cabelos longos escuros amarrados na nuca. Ela estava de azul e vinha na minha direção numa calçada estreita. Tragou o cigarro, e no instante em que me olhava nos olhos, jogou-o no chão. Foi instintivo - ou fruto do vício. Eu disse, então, a malfadada frase: “Jura pra mim que da próxima vez você joga no lixo?”
Mas ela, no meio dos passos lentos em que vinha, bem à frente, para minha surpresa, disse em voz baixa e tranqüila: “Juro”. E me deu um sorriso nada tímido. Também sorri. Mais por dentro do que por fora. Não esperava tanto. É daqueles momentos de cumplicidade em que tudo faz sentido. Mesmo com essa minha postura antipática, houve um encontro.
Os desvãos da cidadania têm seu caminho natural em cada sociedade. Talvez eu não precise mais dessa atitude vigilante? Curei-me com um gesto libertador de humanidade? Não sei ainda. Talvez não. Porém, a explosão de luz de encontros como esse, de pequenos instantes mágicos do dia-a-dia, faz milagres. Quem sabe?
www.agonzalez.com.br
Fotos: Internet e Steve Hix/Corbis (Sorriso)
Mas, a minha questão não é com o cigarro, mas com as bitucas. Andando por ruas e calçadas, elas estão por aí, à nossa volta. Amassadas, espatifadas, desperdiçadas, apertadas. Cigarros meio inteiros, meio fumados. Para onde olharmos, lá estarão, pois é hábito jogar no chão. Por que não?
Muito desagradável. Me incomoda. Na verdade, fico muito brava. Fico enraivecida. Colérica. É isso. Cheguei ao ponto. Não há o que fazer e isso é mal. Fico mobilizada à explosão quando vejo que a s pessoas não se apercebem de que a rua é domínio público e não o lixo de suas casas, de suas vidas privadas.
Ando, por estas paragens paulistanas, perguntando para quem joga a bituca no chão: “Jura pra mim que da próxima vez você joga no lixo?” A reação das pessoas varia muito. Rico material para tese de mestrado em comportamento urbano. Muitas vezes, ficam bravas. Ameaçadas? Policiadas? Pegas no flagra? Em outras, elas trazem respostas nada criativas: Onde você está vendo o lixo? Ou então, fecham a cara e dão respostas menos educadas. Já vi de tudo. Da natureza humana - variada e complexa - posso esperar qualquer coisa. Não me incomoda. Observo, assisto interessada e irada.
Meu filho me disse que eu tome cuidado porque eu posso me dar mal. Ouvi com atenção. Preenchi sua preocupação com dados de realidade. Perigos possíveis à vista.
Juro que já tentei parar com essa mania. Pensando que não sou polícia ou coisa parecida. Que cada um faça o que puder pela limpeza das calçadas e ruas, da cidade, do estado e do mundo. Mas não dá. Eu presencio a hora exata do acontecimento. Pego flagras homéricos. De janela de ônibus, de carros de todos os tipos, de pessoas que estão paradas nas calçadas esperando o sinal fechar. A pessoa que está dando as últimas tragadas, certamente jogará a bituca final, representação última do prazer assumido, no chão. Disfarçadamente. Ou descaradamente. Busco sempre a reação que abra um sorriso maroto e uma concordância comigo. Muito raramente, já aconteceu.
E hoje cedo foi assim. Eu vi uma mulher de seus quarenta anos, cabelos longos escuros amarrados na nuca. Ela estava de azul e vinha na minha direção numa calçada estreita. Tragou o cigarro, e no instante em que me olhava nos olhos, jogou-o no chão. Foi instintivo - ou fruto do vício. Eu disse, então, a malfadada frase: “Jura pra mim que da próxima vez você joga no lixo?”
Mas ela, no meio dos passos lentos em que vinha, bem à frente, para minha surpresa, disse em voz baixa e tranqüila: “Juro”. E me deu um sorriso nada tímido. Também sorri. Mais por dentro do que por fora. Não esperava tanto. É daqueles momentos de cumplicidade em que tudo faz sentido. Mesmo com essa minha postura antipática, houve um encontro.
Os desvãos da cidadania têm seu caminho natural em cada sociedade. Talvez eu não precise mais dessa atitude vigilante? Curei-me com um gesto libertador de humanidade? Não sei ainda. Talvez não. Porém, a explosão de luz de encontros como esse, de pequenos instantes mágicos do dia-a-dia, faz milagres. Quem sabe?
www.agonzalez.com.br
Fotos: Internet e Steve Hix/Corbis (Sorriso)
Comentários
Zoraia, Obrigada! bom lembrar o humor! Tento não perdê-lo, ainda que ás vezes seja difícil!!! rs... Bom saber de seus momentos de calor humano!!! Ana
"... mesmo com essa minha postura antipática...".
E o que dizer da postura
desrespeitosa desses fumantes que fazem da cidade que é de todos a sua lata de lixo particular? Se isso não for uma atitude antipática o que seria? Alguém a lhes lembrar de educação e respeito perdidos?
Outro dia um rapaz à minha frente na rua, sem a menor cerimônia, jogou um copinho ainda com restos de sorvete na parede de uma casa que, claro, ficou toda suja. Não havia lata de lixo por perto. A atitude foi propositada.
Chamei-lhe a atenção e sugeri que ele fizesse isso dentro da própria casa. A criatura não deu a mínima. Não tive dúvidas: chamei-o de porco várias vezes, alto e bom som, até que ele sumisse da minha vista - rindo e caminhando rapidamente.
O seu caso sugere alguma esperança. O meu mostra a quantas anda esta cidade sofrendo nas mãos de gente que desconhece o que é civilidade.
Podemos nos unir e fundar o Clube das Intransigentes. Garanto que não faltarão associados.
Beijocas e feliz ano novo.
Varlice