PASSEIO MOLHADO. ENCHARCADO. DE ÍNDIO >> Zoraya Cesar

Ninguém, em sã consciência, ou mesmo em malsã, pode afirmar, com todas as letras, “nessa roubada não entrarei”. Por mais que você planeje, prepare e tempere seu programa, tudo sempre pode dar errado.

Roberto, por exemplo, nosso amigo de hoje. Ele planejou cuidadosamente a excursão a um desses parques infantis que ficam em São Paulo, levando a esposa, a enteada e uma amiguinha, garantindo ter tudo sob controle. Como qualquer cientista sabe, basta dizer isso, e toda a energia do universo se une para provar o contrário. Não é superstição, é fato. Pois bem, vamos aos fatos.

Um dia antes da viagem, hotel reservado (o mais próximo do parque, a duas horas de viagem), ingressos comprados, brinquedos escolhidos, o site do tempo resolveu contar a verdade e, contrariando as previsões feitas até então, revelou que nos próximos dias ia chover. Muito. Tudo bem, disse Roberto, é só um pequeno contratempo, sem trocadilhos. E foram assim mesmo.

No caminho para o hotel, o motorista foi logo dizendo, com seu vocabulário peculiar, que só mané ia ao parque às 5ª e 6ª feiras, dias de receber caravanas de escolas públicas. E acrescentou que a previsão para o dia seguinte era de 22 mil pessoas. Conversa de taxista, disse Roberto, confiante, tenho tudo planejado, estamos em período letivo, o parque estará vazio. (Claro. Se eles podiam estar ali com duas crianças, porque as outras 21.996 pessoas não poderiam?).

Conversa de taxista, hein? De manhã, dezenas e dezenas de ônibus se dirigiam para o parque. Roberto começou a suar frio, pensando que, se dentro do hotel, a barulheira já estava naqueles decibéis, imagina ao vivo...

Você compra ingressos com antecedência, certo? E para quê? Para não enfrentar fila, oras! Que pergunta! Só que não é tão simples assim. Havia um “esquema” extraoficial: por R$20 a mais você entraria no parque antes de todo mundo. Por R$ 50, furaria a fila em 8 brinquedos. Que beleza, hein? Não vou dizer que essas coisas só acontecem no Brasil porque não conheço Tonga nem Kabuletê, não sei se lá também é assim.

O parque pode ser infantil, mas quem freqüenta são adolescentes. Muitos. Inúmeros. Hordas. Todos buliçosos, todos barulhentos e todos com péssimos hábitos. Empurra pra cá, esbarra pra lá – dezenas deles pulavam a cerca que organizava as filas, e os seguranças... que seguranças? E ainda havia a lama no chão, o vento gelado e as horas incontáveis para entrar num único brinquedinho que fosse; muita gente comprou o tal passe fura-fila e o pessoal que adquiriu ingresso com antecedência ficou na chuva. Como nosso amigo Roberto e família. A sucursal do inferno deve ser parecida com isso, pensava ele.

No final desse primeiro dia, que alegria, o resultado foi positivo: depois de nove horas seguidas, entraram em sete brinquedos, conseguiram um resfriado, um calo no pé e um par de tênis imprestáveis. Calma, dizia Roberto, o dia seguinte vai ser melhor. Ficariam no hotel, as crianças iriam para a recreação e os adultos para o bingo. Mas, como planejamento é tudo, as meninas quiseram voltar ao parque.

Entraram na fila da montanha-russa. E lá ficaram por mais de 40 minutos, até descobrirem, por acaso, pois não havia qualquer aviso, que o brinquedo só começaria a funcionar dali a duas horas. Sendo assim, resolveram almoçar, e escolheram o melhor restaurante do lugar, cuja fila – novidade! – estava enorme, apesar de a comida ser servida em pratos de plástico mole, que dobravam ao simples toque e só não queimavam a mão porque o galeto e a picanha (únicas opções do melhor restaurante) estavam frios. E duros. Os talheres de plástico não serviam para nada e eles tiveram de comer com a mão. Roberto se sentiu no tempo das cavernas, mas nada disse. Até porque amanhecera com uma herpes horrorosa na boca, que, de tão inchada, não o deixava falar nada. Podia até ser paranoia, mas ele tinha certeza que algumas crianças olhavam para ele com medo.

Como tudo o que é ruim sempre pode piorar, de repente as luzes se apagaram e começou um show estilo velho oeste, velho e decadente, com tiros de espingarda, dançarinas desencontradas e cantoras desafinadas num barulho ensurdecedor. No escuro, mal conseguiam enxergar a comida no prato, fazendo com que o arroz e a farofa caíssem pelo chão. Delícia.

Finalizados o magnífico show e a lauta refeição, seguiram, meio surdos e com fome, para a malfadada montanha-russa. Claro que a fila estava imensamente maior que antes, mas resolveram encarar ainda assim. A despeito das crianças, que, molhadas (sim, ainda chovia, aquela garoa fininha paulista que molha até a alma), cansadas e chatinhas, queriam voltar para o hotel. Ah não! Roberto bateu pé, vamos ficar, quem está na chuva é pra se molhar, disse, tentando fazer uma graça que ninguém achou.

Só que não há planejamento que se sustente quando há crianças envolvidas e o fato é que, quando Beth, a enteada, viu o tamanho da montanha-russa, começou a chorar, dizendo que ali não ia de jeito nenhum. Resultado: a esposa foi com a amiguinha e Roberto ficou com Beth. Sem poder argumentar, com a boca inchada e doendo, ele não teve alternativa que não fazer as vontades dela e gastou quase R$ 50 em quinquilharias de 25ª qualidade.

Um almoço horrível, todos os brinquedos molhados e com fila, chuva, frio, lanchonetes caríssimas, adolescentes, herpes. O segundo dia foi ainda pior que o primeiro.

Cansados de lutar contra o clima, as filas e o destino, resolveram ir embora. Coincidentemente, com o mesmo taxista da chegada. Que teve a gentileza de informar que o parque concorrente, todo coberto e com muito mais atrações para crianças da idade da Beth e amiguinha, ficava a apenas uma hora do hotel e estava em promoção...

Como podemos ver, planejamento é tudo.

Comentários

Érica disse…
Muito espirituoso o texto. Realmente, planejamento não é tudo, pois o mundo, a vida são repletos de imprevistos... o segredo de viver bem é ter jogo de cintura e não se deixar levar pelos maus momentos, fazendo valer os bons...
Alexandre Durão disse…
Zoraya, lembrei agora, sem pensar muito, de quatro ou cinco insuportáveis que conheço e a quem quero indicar o passeio. Depois me dá o nome do parque, tá? Bjs.
Unknown disse…
Possa apostar que Roberto estava no Hopi Hari, pois vivi tudo isso, incluindo show de velho oeste...rs. Mas não almocei no restaurante de prato mole. Fiquei com um cachorro-quente de nove reais. E trouxe de lembrança dois hematomas por causa da montanha-russa e a promessa de NUNCA mais faço uma coisa dessas com a minha vida. Mas nunca se sabe, né...rs
aretuza disse…
Caramba, todos nós já tivemos um dia de Roberto!!! Adorei, está a cara de tqntq gente!!
albir disse…
Zoraya,
certos programas só rendem mesmo risadas e crônicas. Beijo.
Antonio Fernando disse…
Minha amiga, estou lendo este texto 1 hora antes de ir para o Beto Carreiro. Espero que não seja uma visão do futuro!!

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