CARTA A UMA GRÁVIDA >> Kika Coutinho
Querida amiga,
Desde que soube da sua gravidez, não consigo tirar da memória uma lembrança infantil, que é das mais emocionantes entre todas as que tenho.
Era Natal nos anos 80, eu tinha qualquer coisa entre 4 e 7 anos e estava com duas maria-chiquinhas no cabelo e uma camiseta vermelha. Quando a campainha tocou, corri atrás da minha mãe para abrir porta e, transbordando de alegria, assisti a minha madrinha chegar em casa, carregando um enorme presente embrulhado em papel vermelho e fita dourada. Era meu. Eu sabia que era meu, mesmo sem que ninguém me dissesse nada. Senti como que um calor por dentro, um quentinho acollhedor, tão imensamente delicioso, que não pude conter o riso. A alegria transbordava feito água que estoura uma represa.
Me entregaram o pacote e em um instante, um pequeno instante enquanto eu desfazia o laço de fita, essa sensação se prolongava um pouco mais. Ao meu redor, toda a família e a melhor amiga. Era o universo todo assistindo ao meu ideal de felicidade.
Tenho certeza que você já sentiu isso amiga. Certeza que você sabe do que falo, quando descrevo esse pequeno instante de alegria, essa delícia que era abrir um embrulho de presente.
Mas a minha infância já ficou para trás há algum tempo. Lixaram bem as paredes da minha memória, passaram massa corrida e cobriram com a cor da maturidade, de forma que algumas sensações ficaram perdidas entre a crosta de anos que a vida me trouxe. Essa foi uma delas. O calor transbordante de abrir um presente novo, a alegria infinita de um instante curto e mágico, o universo todo assistindo a essa delícia, como que vibrando pelo nosso segundo de glória, fazia apenas parte da minha memória poética, como diria nosso amado Rubem Alves.
Pois bem, amiga, eis que, anos depois, sentada em uma pia gelada, com um teste de gravidez nas mãos, enquanto assisto à segunda listra se formar e constato - com a alegria e o susto de uma iniciante - que estou grávida, a vida me presenteou de novo com aquele mesmo prazer. Um presente embrulhado em papel vermelho, laços dourados que envolviam todo ouro do mundo, não me deixariam mais feliz.
Diferentemente da infância, agora a sensação se prolongaria um pouco mais. Seriam nove meses daquele instante mágico. Nove meses sentindo a alegria de desatar um laço de fita, curtindo cada chute e cada pequeno tremor, todos pistas do que seria esse presente tão imensamente precioso. Era como descobrir o autor de bilhetinhos de amor anônimo, desses que a gente ganhava no correio elegante. Um sustinho alegre a cada papelzinho que chegava. Quem será? Como será? Qual o cheiro, o gosto, o som?
Essa sensação amiga, eu tive apenas na primeira gravidez. A segunda, que foi tão feliz quanto a primeira em tantos outros aspectos, não tem mais essa inocência, essa deliciosa tolice que só as crianças e os apaixonados podem experimentar.
Hoje, enquanto vejo a sua alegria e euforia com a pequena Ana, que cresce aí dentro, me vejo também um pouco enquanto carreguei a Sofia, e enquanto segurei um embrulho vermelho.
Essa sensação de presente por abrir, essa euforia desmedida, só é permitida aos ingênuos, aos doces desejantes, esses que não sabem bem o que está por vir, mas sabem que é bom.
Amiga querida, essa crônica é para você, para te pedir que curta imensamente, enormemente, esse teu presente tão bem embrulhado. Ainda me resta mais de metade da vida para aprender, mas, quase que arrisco dizer, que não haverá chance de ter de novo essa alegria. A do instante mágico e breve, entre ter o presente já aberto, o laço desfeito e as enormes alegrias de desfrutar do seu tesouro, e aquele anterior, enquanto ainda não o temos, mas desejamos.
Não há, para mim, nada tão bom quanto ter filhos e assisti-los crescer. São sensações diferentes e novas a cada dia. Mas, antes dessas deliciosas pestes aparecerem enfim, há algo mágico e forte, que só nós, tolas meninas grandes, podemos saber.
Obrigada por me trazer a tona todas essas lembranças. E que o seu presente te traga todas as alegrias do mundo.
Um beijo,
Kika.
Desde que soube da sua gravidez, não consigo tirar da memória uma lembrança infantil, que é das mais emocionantes entre todas as que tenho.
Era Natal nos anos 80, eu tinha qualquer coisa entre 4 e 7 anos e estava com duas maria-chiquinhas no cabelo e uma camiseta vermelha. Quando a campainha tocou, corri atrás da minha mãe para abrir porta e, transbordando de alegria, assisti a minha madrinha chegar em casa, carregando um enorme presente embrulhado em papel vermelho e fita dourada. Era meu. Eu sabia que era meu, mesmo sem que ninguém me dissesse nada. Senti como que um calor por dentro, um quentinho acollhedor, tão imensamente delicioso, que não pude conter o riso. A alegria transbordava feito água que estoura uma represa.
Me entregaram o pacote e em um instante, um pequeno instante enquanto eu desfazia o laço de fita, essa sensação se prolongava um pouco mais. Ao meu redor, toda a família e a melhor amiga. Era o universo todo assistindo ao meu ideal de felicidade.
Tenho certeza que você já sentiu isso amiga. Certeza que você sabe do que falo, quando descrevo esse pequeno instante de alegria, essa delícia que era abrir um embrulho de presente.
Mas a minha infância já ficou para trás há algum tempo. Lixaram bem as paredes da minha memória, passaram massa corrida e cobriram com a cor da maturidade, de forma que algumas sensações ficaram perdidas entre a crosta de anos que a vida me trouxe. Essa foi uma delas. O calor transbordante de abrir um presente novo, a alegria infinita de um instante curto e mágico, o universo todo assistindo a essa delícia, como que vibrando pelo nosso segundo de glória, fazia apenas parte da minha memória poética, como diria nosso amado Rubem Alves.
Pois bem, amiga, eis que, anos depois, sentada em uma pia gelada, com um teste de gravidez nas mãos, enquanto assisto à segunda listra se formar e constato - com a alegria e o susto de uma iniciante - que estou grávida, a vida me presenteou de novo com aquele mesmo prazer. Um presente embrulhado em papel vermelho, laços dourados que envolviam todo ouro do mundo, não me deixariam mais feliz.
Diferentemente da infância, agora a sensação se prolongaria um pouco mais. Seriam nove meses daquele instante mágico. Nove meses sentindo a alegria de desatar um laço de fita, curtindo cada chute e cada pequeno tremor, todos pistas do que seria esse presente tão imensamente precioso. Era como descobrir o autor de bilhetinhos de amor anônimo, desses que a gente ganhava no correio elegante. Um sustinho alegre a cada papelzinho que chegava. Quem será? Como será? Qual o cheiro, o gosto, o som?
Essa sensação amiga, eu tive apenas na primeira gravidez. A segunda, que foi tão feliz quanto a primeira em tantos outros aspectos, não tem mais essa inocência, essa deliciosa tolice que só as crianças e os apaixonados podem experimentar.
Hoje, enquanto vejo a sua alegria e euforia com a pequena Ana, que cresce aí dentro, me vejo também um pouco enquanto carreguei a Sofia, e enquanto segurei um embrulho vermelho.
Essa sensação de presente por abrir, essa euforia desmedida, só é permitida aos ingênuos, aos doces desejantes, esses que não sabem bem o que está por vir, mas sabem que é bom.
Amiga querida, essa crônica é para você, para te pedir que curta imensamente, enormemente, esse teu presente tão bem embrulhado. Ainda me resta mais de metade da vida para aprender, mas, quase que arrisco dizer, que não haverá chance de ter de novo essa alegria. A do instante mágico e breve, entre ter o presente já aberto, o laço desfeito e as enormes alegrias de desfrutar do seu tesouro, e aquele anterior, enquanto ainda não o temos, mas desejamos.
Não há, para mim, nada tão bom quanto ter filhos e assisti-los crescer. São sensações diferentes e novas a cada dia. Mas, antes dessas deliciosas pestes aparecerem enfim, há algo mágico e forte, que só nós, tolas meninas grandes, podemos saber.
Obrigada por me trazer a tona todas essas lembranças. E que o seu presente te traga todas as alegrias do mundo.
Um beijo,
Kika.
Comentários
www.folhadipapel.blogspot.com
Obrigada pelo apoio sempre, pelo carinho e amizade! Um beijo enorme, de nós duas!
Mariana