DAS APARÊNCIAS QUE ENGANAM
[Debora Bottcher]
Na semana passada, aqui no condomínio onde moro, teve uma festa de Halloween. Originariamente para as crianças, muitas mães se vestiram a caráter para acompanhar seus pequenos, o que fez o salão de festas ficar repleto de bruxas, fantasmas e afins de todos os tamanhos e modelos.
Num cenário com tules laranja, roxo e preto, abóboras penduradas no teto, músicas de várias épocas, doces e cachorro-quente, a noite foi muito divertida. E dentre os muitos 'personagens', uma moça-mãe me chamou a atenção: ela dançava com seus filhos — uma mini-Mortícia e um Fantasminha muito legal — e com as muitas outras crianças numa felicidade quase infantil. Vez ou outra também enlaçava o marido — vestido como um mortal comum, de jeans e camiseta — , o sorriso aberto num rosto emoldurado por um enome chapéu de bruxa, transmitindo uma alegria contagiante — fosse um evento adulto e ela seria a 'Garota da Festa'.
Num condomínio fechado de setenta casas pode parecer incrível, mas a gente não conhece todo mundo, quase nunca sabe o número da casa das pessoas que encontra com mais frequência e, na maioria das vezes, nem seus nomes. É possível que quem tenha filhos consiga estabelecer alguma proximidade — o que não é o meu caso, pois só tenho cachorros. E pra ilustrar isso, demonstro: converso mais pelo Facebook com minha vizinha de muro do que pessoalmente, pois raramente conseguimos nos encontrar. Coisas da vida moderna mesmo numa cidade pequena (que é onde moro atualmente) — ou numa pequena cidade, como é um condomínio.
Mas quis a casualidade que eu reencontrasse a 'Garota da Festa' na manhã de quarta-feira, enquanto eu passeava com minhas cachorras e ela se dirigia a pé ao pequeno Centro Comercial aqui em frente, e o impacto disso foi difícil mensurar. É que quando a cumprimentei com o clássico "Bom dia, tudo bem?', tive a impressão de que ela ia chorar. Naturalmente que isso não aconteceu — ela me deu 'Bom dia' e seguiu caminhando rumo à portaria. E eu me peguei por alguns minutos acompanhando-a com meu olhar sob suas costas, seu passo vagaroso numa postura cansada, tentado associar essa mulher àquela figura feliz e dançante do sábado. Não havia nela nenhum vestígio de alegria; ao invés disso, um olhar opaco, abatido e com olheiras, o cabelo levemente despenteado — daquele jeito que delata que não foi o vento o causador. A 'Bruxa' alegre e faceira, havia dado lugar a uma moça totalmente desprovida de qualquer energia.
Então eu fiquei pensando sobre a velha lei das aparências que enganam, e constatei que essa é uma patente da vida que sempre nos ronda. Quase nada, efetivamente, é o que parece ser. Ou talvez tudo seja tão efêmero e mutante — impossível de se manter com alguma regularidade. A impermanência de tudo fica tão latente que chega a assustar — principalmente quando a gente se depara com ela de um jeito tão surpreendente: num espaço tão curto de tempo, dá de cara com o véu revelando uma face que parecera encantada e é pura desilusão.
Uma curiosa tristeza me invadiu naquele dia, e me peguei desejando que a 'Garota da Festa' pudesse resgatar a moça de olhos tristes daquela manhã, mantendo-a prisioneira numa felicidade interminável, como a da noite de Halloween. Mas temo que isso não tenha acontecido.
É a vida seguindo seu curso com a faculdade de quase nunca ser do jeito que a gente gostaria...
Num cenário com tules laranja, roxo e preto, abóboras penduradas no teto, músicas de várias épocas, doces e cachorro-quente, a noite foi muito divertida. E dentre os muitos 'personagens', uma moça-mãe me chamou a atenção: ela dançava com seus filhos — uma mini-Mortícia e um Fantasminha muito legal — e com as muitas outras crianças numa felicidade quase infantil. Vez ou outra também enlaçava o marido — vestido como um mortal comum, de jeans e camiseta — , o sorriso aberto num rosto emoldurado por um enome chapéu de bruxa, transmitindo uma alegria contagiante — fosse um evento adulto e ela seria a 'Garota da Festa'.
Num condomínio fechado de setenta casas pode parecer incrível, mas a gente não conhece todo mundo, quase nunca sabe o número da casa das pessoas que encontra com mais frequência e, na maioria das vezes, nem seus nomes. É possível que quem tenha filhos consiga estabelecer alguma proximidade — o que não é o meu caso, pois só tenho cachorros. E pra ilustrar isso, demonstro: converso mais pelo Facebook com minha vizinha de muro do que pessoalmente, pois raramente conseguimos nos encontrar. Coisas da vida moderna mesmo numa cidade pequena (que é onde moro atualmente) — ou numa pequena cidade, como é um condomínio.
Mas quis a casualidade que eu reencontrasse a 'Garota da Festa' na manhã de quarta-feira, enquanto eu passeava com minhas cachorras e ela se dirigia a pé ao pequeno Centro Comercial aqui em frente, e o impacto disso foi difícil mensurar. É que quando a cumprimentei com o clássico "Bom dia, tudo bem?', tive a impressão de que ela ia chorar. Naturalmente que isso não aconteceu — ela me deu 'Bom dia' e seguiu caminhando rumo à portaria. E eu me peguei por alguns minutos acompanhando-a com meu olhar sob suas costas, seu passo vagaroso numa postura cansada, tentado associar essa mulher àquela figura feliz e dançante do sábado. Não havia nela nenhum vestígio de alegria; ao invés disso, um olhar opaco, abatido e com olheiras, o cabelo levemente despenteado — daquele jeito que delata que não foi o vento o causador. A 'Bruxa' alegre e faceira, havia dado lugar a uma moça totalmente desprovida de qualquer energia.
Então eu fiquei pensando sobre a velha lei das aparências que enganam, e constatei que essa é uma patente da vida que sempre nos ronda. Quase nada, efetivamente, é o que parece ser. Ou talvez tudo seja tão efêmero e mutante — impossível de se manter com alguma regularidade. A impermanência de tudo fica tão latente que chega a assustar — principalmente quando a gente se depara com ela de um jeito tão surpreendente: num espaço tão curto de tempo, dá de cara com o véu revelando uma face que parecera encantada e é pura desilusão.
Uma curiosa tristeza me invadiu naquele dia, e me peguei desejando que a 'Garota da Festa' pudesse resgatar a moça de olhos tristes daquela manhã, mantendo-a prisioneira numa felicidade interminável, como a da noite de Halloween. Mas temo que isso não tenha acontecido.
É a vida seguindo seu curso com a faculdade de quase nunca ser do jeito que a gente gostaria...
Comentários
Às vezes a realidade nos faz tristes e cansados e é preciso soltar mesmo "as bruxas".
Afinal ninguém é totalmente feliz ou totalmente triste, não é?
Espero que a moça da festa apenas estivesse num momento ruim e passageiro quando a encontrou na rua.
Bjs