VIDA É JOGO >> Eduardo Loureiro Jr

Tem gente que acha que a vida deveria ter manual.
Ela tem. A vida tem manual. Mas quem lê manuais?

Tem gente que reclama de injustiça.
Não há injustiça: está tudo previsto no manual.

Fica mais fácil se pensarmos a vida como um jogo. O manual são as regras.

Depois de uma breve introdução, que coloca o jogador na temática do jogo — Sol, Lua, estrelas, fogo, ar, terra, água, pedras, plantas, bichos, gente —, as regras indicam o objetivo do jogo, ou seja, a forma como o jogo acaba. Há que se começar pelo fim para que a coisa tenha sentido. O jogo — a vida — acaba quando o objetivo é atingido — embora sempre tenha algum jogador impaciente que resolva encerrar o jogo no meio, cometendo suicídio. São pessimistas os suicidas: o jogo nem acabou e eles acham que vão perder. Ou simplesmente ficaram entendiados — sem motivo, claro, porque o que não falta nesse jogo é animação. Mas, a se acreditar em reencarnação, os suicidas terão a chance de disputar novas partidas.

Para que o jogo acabe, é preciso que se cumpra o objetivo, mas não necessariamente o seu objetivo individual. O jogo acaba quando um dos jogadores, o vencedor, cumpre o objetivo. Os demais jogadores têm seu jogo encerrado por tabela. Tem gente que morre porque quer, digamos assim: cumpriu o que tinha de cumprir, fez o que tinha pra fazer, chegou onde tinha de chegar. Game over. Tem gente que morre antes de chegar lá, com aquela sensação de que ainda tinha algo por fazer, tarefas por cumprir. Jogo encerrado do mesmo jeito. Mas a vida é um jogo bem elaborado, de dinâmica bem definida: é possível o jogo acabar e todos os jogadores estarem satisfeitos: deram o melhor de si, tudo que podiam dar, só precisava que alguém atingisse o objetivo e encerrasse o jogo.

A vida é um jogo com 6.893.885.198 jogadores, e tem mais gente entrando no jogo a cada momento. Agora já são 6.893.885.328. Cento e trinta novos jogadores em poucos segundos. Existe o grande jogo, disputado no grande tabuleiro, a Terra. E existem os pequenos jogos dentro do jogo, acontecendo aqui, aí, por acolá. Quem joga sabe que jogar é bom, mas às vezes arranha. O jogo é uma excelente maneira de trazer à tona nossas manias, medos, neuroses. Numa mesa de jogo, junto com as cartas e o peões, revelam-se e movimentam-se também a desconfiança, a trapaça, a vingança, a dissimulação, a vitimização... Assim como também aparecem a inteligência, a paciência, a vontade de aprender, a flexibilidade, a diplomacia, o companheirismo, a diversão...

Quando acontece uma enchente como essa do Rio de Janeiro, é difícil pensar no assunto com calma, mas, na verdade, resumindo bem, um grande jogo, de centenas de jogadores, está se encerrando. Não sejamos mal perdedores. Se acabou, é porque o objetivo foi atingido.  "Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total. Todos os sucedidos acontecendo, o sentir forte da gente - o que produz os ventos", já dizia a Rosa em forma de Guimarães. Há que se aumentar a cabeça para compreender o objetivo que foi atingido no Rio.

Tem gente que vai dizer que o jogo não deveria ter acabado assim, que foi como se um vândalo chegasse e baldeasse a mesa de jogo, depois jogasse tudo no chão.

Injustiça?

Depende do tamanho da cabeça de cada um. Assim como é possível que todos os jogadores saiam satisfeitos de uma partida, também é possível que todos se sintam incomodados, insatisfeitos com a mesa que se formou, com a estratégia que se planejou, com o clima que rolou entre os participantes.

Outras partidas estão sendo disputadas — aqui, aí, acolá — com as mesmas peças — água, terra, construções — e é melhor a gente ver se está fazendo o que tem que fazer, cumprindo o que tem que cumprir, dando o que tem que dar para que a gente chegue onde tem que chegar. Para que as próximas partidas não terminem em choro e chateação, mas em risos e alegria.

Dê um jeito de conseguir uma cópia do manual da vida, entenda as regras direitinho e vamos aprender nos divertindo.

Comentários

Anônimo disse…
Excelente!
Eu tô precisando achar esse manual... Bjim!
Perfeito, Eduardo!
Quantas tragédias se repetem e quanto sofrimento passamos...
Acho que nesse manual, que a gente insiste em não ler, está em letras garrafais: "a natureza possui privilégios e deve ser respeitada".
albir disse…
A questão, Edu, é que não queremos manual que venha com a vida. Queremos escrever um manual para que o jogo o siga.
Fernanda Arruda disse…
e depois querem jogar a culpa na sábia natureza, tsc...

excelente reflexão Edu!

bjs
Anônimo, quando achar o manual, avisa. :)

Já deu uma folheada no manual né, Marisa?

Albir, então mãos à obra. :)

É, Fernanda, culpa não fica bem em ninguém, quanto mais na natureza.

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