AULAS, PRA QUE VOS QUERO?
>> Eduardo Loureiro Jr.
As férias escolares estão acabando. A maioria das escolas retomará as aulas essa semana. Benza Deus! Benza Deus! Benza Deus! Esse monte de delinquentes desocupados que invadiu as ruas, praças, praias e shoppings da cidade retornará à sua reclusão.
Não é preciso ser nenhum gênio para perceber a semelhança entre locais de trabalho, prisões e escolas. Nesses três espaços institucionais, depois que a pessoa entra, fica submetida a uma autoridade e não tem mais liberdade de sair na hora em que quiser. São espaços em que o tempo de quem entra fica sob controle das autoridades da instituição: patrões, policiais e professores.
Assalariados, presidiários e alunos recebem tratamentos levemente diferenciados, de acordo com o grau de incômodo que causam para a sociedade.
Os assalariados são aqueles que, se não estivessem trabalhando, estariam na ociosidade, coisa não vista com bons olhos em nossa sociedade. Como seu pecado não é crítico, é mais um desconforto do que uma ameaça, os ex-preguiçosos recebem o incentivo do salário. O valor é, na maioria das vezes, abaixo do que o merecido pelo trabalho realizado, mas pelo menos o ex-vadio recebe alguma coisa pelo tempo que lhe foi tomado.
Os presidiários cometeram alguma espécie de crime, por leve que seja, então têm confiscado todo o seu tempo. Não podem ficar de bobeira, à solta, porque podem incorrer novamente em delito. Mas como a sociedade não é de todo má, dá como consolo ao preso todas as refeições. Assim como o assalariado, o preso também é bancado pela instituição.
Os alunos são os mais perigosos. As escolas públicas o tratam como um presidiário em regime semi-aberto. Não porque sejam menos ameaçadores, mas porque o máximo de tempo que os aguentam em suas dependências é oito horas por dia. A quantidade de delinquentes infanto-juvenis é tão grande que as escolas públicas não dão conta. Desesperados para se livrar desses pequenos criminosos por pelo menos algumas horas por dia, muitos pais pagam, e caro, a instituições particulares para terem um pouco de sossego.
— Qual o perigo de crianças e adolescentes? — o leitor ingênuo deve estar se perguntando, ou pior, me perguntando...
Assalariados e presidiários estão em recuperação por crimes que cometeram contra a propriedade. Os assalariados, quando preguiçosos, não colaboravam para a produção. Os presidiários, quando malandros, roubavam aquilo que outros produziam. As crianças tanto não produzem coisa alguma quanto roubam pais, tios, avós e quem quer que os leve para os passeios comuns nas férias. É sorvete, é pipoca, é sanduíche, é bombom, é brinquedo, é sapato, é roupa, é eletrônico... é um mini-inferno econômico. O pai assalariado corre o risco de virar um pai presidiário se atender todos os quereres desses marginais de metro, metro e meio.
As férias escolares são tão longas apenas porque os pobres professores não aguentariam o estresse de serem submetidos a crianças e adolescentes na mesma proporção que supervisores e carcereiros são expostos a assalariados e presidiários. As duas férias anuais são carnavais prolongados e fora de época de que só participam — no qual só se divertem — pessoas com até 15 anos de idade. É uma ofensa a todos os demais, que não foram convidados para o baile, mas foi a maneira que se encontrou, até agora, de lidar com essa deliquência natural pela qual todos nós passamos.
Talvez por isso muitos adultos sejam tão tolerantes com esses pequenos degenerados: eles se lembram que já cometeram crimes semelhantes e que, se não foram condenados, também não têm o direito de condenar os fora-da-lei de hoje. Há mesmo aqueles adultos que aproveitam as férias de filhos, sobrinhos e netos para fazer um revival e entregam-se à bandalheira junto com os pequenos. E vá algum adulto realmente adulto, daqueles que se penitencia diariamente pela infância e adolescência cometidas, reclamar da licenciosidade que estão crianças e adultos-criança a praticar.... o pessoal vira uma fera, mostra os dentes, arregaça os muques e quer brincar de boxe.
Eu, que por sorte ou por mérito, escapei do escritório e da prisão, tenho mesmo vontade, durante as férias escolares, de me assalariar e, além das oito horas diurnas, pegar plantões todas as noites, só para evitar os encontros e potenciais confrontos com essa horda que invade a cidade desde o final de novembro até o início de fevereiro. Tem horas que chego mesmo a desejar o meu próprio encarceramento — desde que seja em cela especial, claro, com direito a banheiro privativo e internet — em vez de me sujeitar a cenas de puro vandalismo consumadas por esses bandos de meninos e meninas desocupados e malfeitores.
Mas, enfim, as férias estão acabando. Eu posso me controlar mais alguns dias, respirando fundo, bem fundo, contando até dez, até cem, até mil, pedindo a Deus paciência, oferecendo o calvário a algum santo em prol das almas necessitadas. Meus cinco meses de paz, até as famigeradas férias de julho, já estão quase começando, já posso vê-los dobrar a esquina, silenciosos, ordeiros, já me sinto mais leve, mais feliz, já começo a esboçar um sorriso...
— Puta que o pariu! Cala a boca, menino! Não está vendo que estou escrevendo mentalmente minha crônica da semana? Cadê o infeliz do teu pai?! Larga de mexer nisso aí! Para com essa barulheira! Se não sair daqui agora, eu te dou umas porradas! Sai, vai, vai! Chispa! Vade retro!
Não é preciso ser nenhum gênio para perceber a semelhança entre locais de trabalho, prisões e escolas. Nesses três espaços institucionais, depois que a pessoa entra, fica submetida a uma autoridade e não tem mais liberdade de sair na hora em que quiser. São espaços em que o tempo de quem entra fica sob controle das autoridades da instituição: patrões, policiais e professores.
Assalariados, presidiários e alunos recebem tratamentos levemente diferenciados, de acordo com o grau de incômodo que causam para a sociedade.
Os assalariados são aqueles que, se não estivessem trabalhando, estariam na ociosidade, coisa não vista com bons olhos em nossa sociedade. Como seu pecado não é crítico, é mais um desconforto do que uma ameaça, os ex-preguiçosos recebem o incentivo do salário. O valor é, na maioria das vezes, abaixo do que o merecido pelo trabalho realizado, mas pelo menos o ex-vadio recebe alguma coisa pelo tempo que lhe foi tomado.
Os presidiários cometeram alguma espécie de crime, por leve que seja, então têm confiscado todo o seu tempo. Não podem ficar de bobeira, à solta, porque podem incorrer novamente em delito. Mas como a sociedade não é de todo má, dá como consolo ao preso todas as refeições. Assim como o assalariado, o preso também é bancado pela instituição.
Os alunos são os mais perigosos. As escolas públicas o tratam como um presidiário em regime semi-aberto. Não porque sejam menos ameaçadores, mas porque o máximo de tempo que os aguentam em suas dependências é oito horas por dia. A quantidade de delinquentes infanto-juvenis é tão grande que as escolas públicas não dão conta. Desesperados para se livrar desses pequenos criminosos por pelo menos algumas horas por dia, muitos pais pagam, e caro, a instituições particulares para terem um pouco de sossego.
— Qual o perigo de crianças e adolescentes? — o leitor ingênuo deve estar se perguntando, ou pior, me perguntando...
Assalariados e presidiários estão em recuperação por crimes que cometeram contra a propriedade. Os assalariados, quando preguiçosos, não colaboravam para a produção. Os presidiários, quando malandros, roubavam aquilo que outros produziam. As crianças tanto não produzem coisa alguma quanto roubam pais, tios, avós e quem quer que os leve para os passeios comuns nas férias. É sorvete, é pipoca, é sanduíche, é bombom, é brinquedo, é sapato, é roupa, é eletrônico... é um mini-inferno econômico. O pai assalariado corre o risco de virar um pai presidiário se atender todos os quereres desses marginais de metro, metro e meio.
As férias escolares são tão longas apenas porque os pobres professores não aguentariam o estresse de serem submetidos a crianças e adolescentes na mesma proporção que supervisores e carcereiros são expostos a assalariados e presidiários. As duas férias anuais são carnavais prolongados e fora de época de que só participam — no qual só se divertem — pessoas com até 15 anos de idade. É uma ofensa a todos os demais, que não foram convidados para o baile, mas foi a maneira que se encontrou, até agora, de lidar com essa deliquência natural pela qual todos nós passamos.
Talvez por isso muitos adultos sejam tão tolerantes com esses pequenos degenerados: eles se lembram que já cometeram crimes semelhantes e que, se não foram condenados, também não têm o direito de condenar os fora-da-lei de hoje. Há mesmo aqueles adultos que aproveitam as férias de filhos, sobrinhos e netos para fazer um revival e entregam-se à bandalheira junto com os pequenos. E vá algum adulto realmente adulto, daqueles que se penitencia diariamente pela infância e adolescência cometidas, reclamar da licenciosidade que estão crianças e adultos-criança a praticar.... o pessoal vira uma fera, mostra os dentes, arregaça os muques e quer brincar de boxe.
Eu, que por sorte ou por mérito, escapei do escritório e da prisão, tenho mesmo vontade, durante as férias escolares, de me assalariar e, além das oito horas diurnas, pegar plantões todas as noites, só para evitar os encontros e potenciais confrontos com essa horda que invade a cidade desde o final de novembro até o início de fevereiro. Tem horas que chego mesmo a desejar o meu próprio encarceramento — desde que seja em cela especial, claro, com direito a banheiro privativo e internet — em vez de me sujeitar a cenas de puro vandalismo consumadas por esses bandos de meninos e meninas desocupados e malfeitores.
Mas, enfim, as férias estão acabando. Eu posso me controlar mais alguns dias, respirando fundo, bem fundo, contando até dez, até cem, até mil, pedindo a Deus paciência, oferecendo o calvário a algum santo em prol das almas necessitadas. Meus cinco meses de paz, até as famigeradas férias de julho, já estão quase começando, já posso vê-los dobrar a esquina, silenciosos, ordeiros, já me sinto mais leve, mais feliz, já começo a esboçar um sorriso...
— Puta que o pariu! Cala a boca, menino! Não está vendo que estou escrevendo mentalmente minha crônica da semana? Cadê o infeliz do teu pai?! Larga de mexer nisso aí! Para com essa barulheira! Se não sair daqui agora, eu te dou umas porradas! Sai, vai, vai! Chispa! Vade retro!
Comentários
Bjs
Concordo em gênero, nº e grau. Eita bando de desordeiros....rs
é bom vê-los assim, arruaceiros. Acho que, inclusive, não muda nada quando acabam as férias. Eles estão nos mesmos lugares, fazendo a mesma bagunça, só que de uniforme, ou farda, ou seja lá que nome tenha o que eles sujam e vestem pelo Brasil afora.
A gente quer ser moderninho, oeps!sorry!, a-tu-a-li-sa-do, e se esquece que não há nada de novo na repetição de hábitos antigos.
Tenho pena dos estudantes que são moldados pelos nossos conceitos tão envelhecidos. Logo eles, tão jovens, tão mais próximos do contato com sua essência, sendo "educados" por quem nem sabe mais quem é ..
Ah, desculpa aí, Eduardo. Tua crônica me colocou a observar a confusão de nossos valores.
Nancy Niemeyer
Pois é, Marilza. Só espero que não tentem equacionar essa situação estabelecendo seis meses de aulas e seis meses de férias. Aí vou pedir extradição em outro planeta. :)
Tu gosta, Albir? Então vou mandar as galerinhas aqui do DF aí para o Rio. :) Aguarde julho! :)
Nancy, bom vê-la por aqui. A ideia original da crônica tratava desses assuntos que você levantou, mas acabou que a primeira parte ficou grande demais e não quis forçar a paciência do leitor. Quem sabe não rola uma continuação... :)
Bjos!
É verdade, Zecca. É verdade. E sou um cronista de sorte, porque eu coço aqui uma feridinha com minhas palavras e me aparecem meus perspicazes leitores fazendo uma análise clínica do ferimento. :) Grato.