APRENDENDO A SURFAR >> Fernanda Pinho
- O que você faria diante de um tsunami? – perguntei por perguntar.
- Surfaria. Eu morreria de qualquer jeito.
A resposta veio rápida e rasteira, revelando uma lucidez surpreendente. Foi uma pergunta à toa. Não era para me jogar na cara uma resposta que me disparou vários alarmes internos. Mas ele o fez, displicentemente. Não era, afinal, um velho sábio chinês querendo me aplicar a moral de uma fábula. Era só meu primo, de dez anos, confirmando aquilo que eu já suspeitava: ele aprendeu a viver muito antes de mim.
Chegou a me devolver a pergunta, mas disfarcei e encerrei o assunto. Primeiro porque fiquei sem jeito de admitir que, diante de um tsunami, eu provavelmente choraria e gritaria desesperada, sem conseguir sair do lugar e morreria do coração antes que a onda me pegasse. Segundo que, a essa altura, meus pensamentos já tratavam de ruminar, mais uma vez, todas as minhas crises existenciais. Agora, sob a luz da filosofia do pequeno Romano.
Era dia 2 de janeiro e, no dia anterior, eu havia pulado ondas, jogado flores para Iemanjá, feito mil promessas e mil e um pedidos. Mas então eu entendi – como se isso já não fosse o óbvio – que não adianta nada ter um grande plano. Um projeto superbem arquitetado. Uma meta incrível. Não adianta eu viver obcecada pelos resultados finais (e suplicar para Iemanjá que eles se concretizem), se a vida é o que está acontecendo antes de chegarmos lá.
Embora vergonhoso, foi oportuno ouvir isso de uma criança logo no início do ano, que é quando estamos mais dispostos e propensos a fazer diferente. Não quero mais passar os finais de semana pensando nas matérias que vou ter que escrever quando a segunda chegar. Só me faz perder horas de descanso e, no fim das contas, produzir uma matéria muito aquém das minhas reais possibilidades. Não quero me apaixonar pensando em como vai ser doloroso quando tudo terminar. Só me faz antecipar o fim, com medo de que as coisas piorem pro meu lado. Não quero mais analisar meu extrato bancário e meu corpo, diariamente. Só me faz me sentir uma pessoa duplamente incompetente que não sabe lidar com dinheiro nem cuidar da minha forma e da minha saúde.
O que quero é levar a sério uma frase que li numa publicidade há alguns anos: “Se você se preocupar, você morre. Se você não se preocupar, também. Então pra que se preocupar?”.
É isso. Não quero mais me preocupar. Como vou conseguir essa façanha, eu não sei. Talvez seja o caso de tentar aprender a surfar.
Imagem: http://www.sxc.hu/
Comentários
Adorei as cronicas!
Primeira vez que estou passando aqui e adorei!
Acho que temos que pensar como o pessoal do AA: "Um dia de cada vez!"
Aliás, foi assim que eu curei meu coração quando partiu, inúmeras vezes: "Só mais 24 horas".
E assim, a gente vai vivendo melhor!
Beijocas amore!
P.S - Nem preciso dizer como seu priminho é sagaz. Ah, essas crianças, sempre nos ensinando!
Essa vida...Bem,a gente mergulha,nada,surfa,bóia,afunda e levanta!!
Beijocas.
Beijos!!!
Delicioso texto... Devia ir pra 'aquela' seleção... :)
Beijo e bom ano, cheio de sorte e despreocupações...
Só que depois de ler essa frase:
“Se você se preocupar, você morre. Se você não se preocupar, também. Então pra que se preocupar?”.
Vejo que não estava tão errado assim.
Parabéns pelo bom texto(não vou elogiar muito para você não se acomodar! hahaha!) Abraço!