TROMBONE E CIÚMES >> Eduardo Loureiro Jr.
Ano novo, vida nova. Resolvi aprender a tocar trombone.
— O senhor não prefere botar a boca na gaita? — sugeriu a secretária da Escola de Música. — É mais simples.
— Fico com o trombone mesmo, obrigado.
Já o professor advertiu:
— Não é um instrumento fácil, os alunos costumam dar com a língua nos dentes.
— Grato pelo conselho, professor, mas vou correr o risco.
Não sei se o leitor tem o mesmo defeito neurológico que eu, mas, quando começo a ouvir uma música instrumental, ouço uma voz — inexistente para as demais pessoais — que vai recitando palavras que se encaixam na melodia da música.
Durante minha primeira aula de trombone, por exemplo, os sons que emiti — com muita dificuldade — diziam mais ou menos assim:
Quase todas as mulheres ciumentas erram o alvo de seus ciúmes: seus homens, maridos, namorados estão interessados em uma pessoa e elas pensam que eles estão interessados em outra. Porque homem está sempre interessado em mais de uma mulher ao mesmo tempo, e ainda não me apareceu nenhum para me dizer o contrário de forma convincente. Nem que seja um interesse passageiro, por uma moça também passageira, vestindo uma minissaia minusculamente passageira e com um gingado deslumbrantemente passageiro. Então as mulheres têm razão em sentir ciúmes, mas o próprio ciúme obscurece a mira do olhar e elas erram o alvo. O marido gosta é da moça de óculos, o namorado se excita é com a falsa magra, e as mulheres ficam com ciúmes é da loura de olhos azuis e da miss de ocasião.
O ciúme é um sentimento que desvaloriza a própria mulher diante de seu parceiro, não apenas pela irritação que é ter alguém ciumento ao seu lado, mas porque, principalmente, é insuportável ter alguém burro, completamente tapado, por perto. E o cíúme que erra o alvo é de uma burrice indesculpável. A mulher lá, com os olhos arregalados de rivalidade e com a boca ardida de desconfiança, enquanto o homem fica pensando: "Pobre coitada, nem desconfia que, se eu pudesse, ficava era com sicrana e não com fulana". Mulher ciumenta ainda vai, mas mulher burra de ciúme não dá. Porque mulher só acerta na mega-sena do ciúme se jogar muitos cartões de muitos números, ou seja, se tiver ciúme de muita gente. Aí das vinte de que ela tem ciúmes, está sujeita a acertar umazinha em que o companheiro também esteja interessado. Agora tem homem que acha ainda mais insuportável esse ciúme de múltipla escolha em que a mulher ciumenta marca todas as alternativas. Mulher ciumenta só dá certo se for neuroticamente ciumenta com um homem neuroticamente galinha. Ela tem ciúme de todas e ele se interessa por todas. Casal perfeito, feitos um para o outro.
Mas mesmo essas erram, de certa forma, o alvo. Porque só existe uma mulher de quem uma mulher deveria sentir ciúmes: dela mesma no tempo em que conheceu seu bem-amado. Porque, no fundo, é essa mulher pela qual o homem tem permanente interesse: sua amada no momento em que a conhece. E, no momento em que o homem conheceu sua mulher, ela não tinha ciúmes dele. Por isso que a melhor forma da mulher garantir que não terá motivos para ter ciúme é largar mão do ciúme antecipadamente. Assim ela será mais parecida com a mulher que despertou interesse de seu parceiro. E serão felizes para sempre.
Essas palavras estavam em meus ouvidos enquanto eu botava a boca em meu trombone quando o professor interrompeu minha clariaudiência para dizer que a aula tinha acabado.
— Eu levo jeito, professor?
— Quando você sair da classe, repare bem no rosto de quem está na sala de espera. A expressão deles dirá se você os aborreceu ou agradou. Até a próxima aula.
Comentários
Com toda sua divagação, confirmo que não tenho o mínimo dom para a música clássica.
E oxalá que sua inspiração textual e musical se confirme com o trombone, aliás, como estavam as expressões na sala de espera?
Bjs!
Quanto ao ciúme...Não sei também!Vai entender,né?Belo texto,feliz 2011.