TIPO DE ESCRITORA >> Fernanda Pinho




Eu gosto de escrever. Gosto muito. Certamente está entre as cinco coisas que eu mais gosto de fazer na vida, sendo que entre as outras quatro ainda não há uma definição muito clara. Seria, portanto, uma grande gentileza da vida comigo se um dia eu me tornasse uma escritora. Uma escritora de verdade. Mas constato desolada que ainda falta muito para ter um romance meu espremido numa livraria entre um livro do Fernando Pessoa e um do Fernando Sabino. Falta, por exemplo, escrever um bom livro. Mas isso é mero detalhe. Ando preocupada com minha persona descontextualizada. Definitivamente não faço tipo de escritora.

Escritores dormem pouco e se eu tenho uma certeza na vida é a de que o bom livro que eu ainda devo escrever não nascerá em madrugadas insones. Também não será fruto dos devaneios noturnos que invadem as mentes inquietas. Sendo mais objetiva: o fato é que eu durmo muito bem, obrigada. Em qualquer hora, em qualquer lugar, sob quaisquer condições. Basta que eu decida "vou dormir" e pronto. Fecho os olhos e é questão de segundos até que eu esteja em sono profundo. Uma boa ideia seria eu sonhar com um enredo genial para meu suposto livro. Seria grata ao meu inconsciente eternamente. Por enquanto, ainda não tive nenhum sonho que merecesse status de obra literária e ando cogitando começar a tomar café. Quem sabe não fico mais alerta.

Tem isso também. Escritores combinam com café. Doses generosas em canecas. Acho um charme. Eu até deixo, às vezes, uma caneca ao lado do meu computador pra fazer uma pose. Mas cheia de refrigerante. Café só de manhã. Se não tiver, ok. Não me faz a menor falta. Não acho horrível, mas se café deixasse de existir eu acho que nem perceberia. Provavelmente esse é um dos fatores que justifica meu talento para dormir tão bem. Virar a noite, só se for em festa.

Eu adoro festa, eu adoro gente, eu adoro conversar, eu falo com estranhos, eu faço amizade em todo canto. Talvez por isso ainda não tenha tido ideia para um livro incrível. Eu banalizo minhas ideias razoáveis transformado-as em bobagens ditas em mesa de bar para recém-conhecidos. Não sou introspectiva (ainda bem, pois falo muito, escrevo muito e às vezes parece que ainda vou explodir com os pensamentos aos quais não consigo dar vazão. Talvez eu deva começar a pintar quadros, sei lá).

Acho que para ser escritora eu deveria ser um pouco mais casmurra, pra usar uma expressão literária. Pois ser o tipo de pessoa que adora academia parece depor contra mim. Um amigo, que sempre me chamou de escritora, ficou chocado quando revelei que frequentava uma academia regularmente. "Ah, Fê, você não precisa fazer esse sacrifício". "Que sacrifício? Eu adoro a academia. As pessoas, o ambiente. Sinto falta das aulas quando não vou. Não curto muito as músicas, mas faz parte do clima, entendeu?". Acho que ele não entendeu. E nunca mais me chamou de escritora.

Com razão. Que espécie de escritora não sabe dar autógrafos? Nas ocasiões de lançamento do "Acaba Não, Mundo" ficava levemente desnorteada a cada vez que alguém me estendia um exemplar do livro para eu assinar. Um pouco por falta do que escrever, mas principalmente por não saber escrever à mão. Não sei, gente. Não me olhem com essa cara.  E, bom, acho que um escritor escreve bem em todas as modalidades. Eu só funciono no computador e se estiver de óculos. É, pensando bem nem tudo estar perdido. Óculos me parece um bom acessório para uma pretensa escritora.

Ainda tenho chance. Agora só falta escrever um bom livro. 


Foto: Allison de Carvalho

Comentários

Kika disse…
Xii menina, mas você já é uma escritora. E, para mim, das melhores viu? É bem verdade que academia não soou bem. Se eu fosse você esconderia essa parte, quando for dar uma entrevista para a Marília Gabriela, por exemplo. Porque do jeito que vai bem, é só uma questão de tempo.
beijos!
Carla Dias disse…
Minha cara, sinto lhe dizer que você já é uma ótima escritora! Lendo a sua crônica, lembrei-me de uma minissérie inglesa que assisti semana passada. Se puder, assista. Tenho certeza de que ela, melhor do que a minha afirmação, provará que você é uma escritora.
Any Human Heart: http://veja.abril.com.br/blog/temporadas/minisseries/any-human-heart-uma-jornada-sentimental-pela-existencia-humana
Samara disse…
Uai, Ferdi, vc já é escritora e das boas. E eu me enquadro em tudo que vc disse ai que é pressuposto de um escritor, menos saber dar autografo.
Me falta um bom livro, então? A propósito, morro de inveja dessa sua capacidade de dormir.
Jujú disse…
Assim como as meninas, eu não posso deixar de dizer: vc é uma escritora, e uma das minhas preferidas. Só não é um esteriótipo, essa coisa pronta! Vc é única, e por isso tão especial!

Quanto ao bom livro, preciso nem comentar, né? Desaforo...pare com esse preconceito com seus livros. Eles são muito bons!

Beijos
Laís disse…
Eu tenho a maioria das características que vc citou não ter, entretanto, não escrevi um bom romance. Abandonei todos os projetos que comecei, enjoei de tudo. Você já é uma boa escritora!

E daí que não se enquadra nos estereótipos? isso é ótimo! sinal de que é diferente e eu adoro isso.

Amei essa crônica, só para variar!!

bjs
Marilza disse…
Adoro tudo o que você escreve. Um bom escritor, antes de tudo, tem que saber prender o leitor e isso vc consegue fazer muito bem. Parabéns!
albir disse…
Parece unanimidade que você é grande escritora, e que seus textos são ótimo livro.
Cristiane disse…
Inveja do seu sono, demoro séculos para dormir e, também, só tomo café de manhã - não por opção, mas porque senão o sono foge de vez.

Uma vez ouvi Rubem Alves dizendo que ele tinha se dado conta de que nunca seria escritor de um grande romance e nem por isto ele deixou - ou deixa - de ser escritor por escrever histórias curtas. Precisamos de Bukowski tanto quanto de Tolstoi... de Luis Fernando Veríssimo e, também, de Cecília Meireles. De Adélia da mesma forma que Manoel de Barros. Na linguagem de hoje, "cada um no seu quadrado", entendeu?! :)

Gosto dos seus textos.

bjs
Zoraya disse…
Bom,eu concordo com todo mundo aí em cima: você já é uma escritora e das boas. Mas, para nao ficar repetitiva, acrescento: adorei a cor do seu esmalte! Isso sim, é esmalte digno de uma escritora! (depois me diz qual é?)
Clarice Lispector e Fernanda Pinho, minhas escritoras favoritas. E tenho dito.

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