A MALDIÇÃO DO TÊNIS BRANCO >> Fernanda Pinho
Como uma boa família belo-horizontina, não foram poucos os
anos que vimos chegar na orla da Praia do Morro, em Guarapari, no Espírito
Santo. O fim do ano de 1989, porém, foi escatologicamente mais marcante. Estávamos
na areia, eu, pai, mãe, irmã, primos, primas, tios e tias, devidamente
posicionados para assistirmos à queima de fogos que daria 1990 à luz. Eu, toda
serelepe, vestida de branco e com um All Star de cano alto mais branco ainda,
que eu havia ganhado naquele Natal, pulava de um lado para o outro como fazem
os cangurus e as crianças de seis anos. Pulei, pulei, pulei...até que ploft! Dei
o maior pisão em um cocô. Um cocô humano para piorar, e muito, minha situação. Minha
mãe tentou contornar o estrago, esfregando meu pé no meio-fio, na areia. Nada
resolveu. Eu já estava impregnada com aquele odor e não fui poupada pela
sinceridade cruel das crianças. Meus primos não contiveram o riso nem o impulso
de só se aproximarem de mim com os narizes devidamente tampados. Eu, claro, já estava
quase explodindo de vontade de chorar, mas não podia, posto que chorar era uma
das proibições esdrúxulas do meu pai, que seguíamos à risca. Minha mãe, muito
boa, como sempre, ficou comovida com minha situação e me levou de volta para a
casa. Passamos o reveillon sozinhas, assistindo um filme na televisão e o tênis
de molho no tanque.
Anos mais tarde, não estou muito certa da data, mas acho que
eu tinha treze anos, ganhei um outro tênis branco no Natal. Claro, fui com ele à
festa de Ano Novo, afinal, o caso do cocô havia sido apenas uma fatalidade. Sem
falar que, naquele ano, a festa da família não seria na praia e, sim, em Belo
Horizonte, na casa da minha tia, onde não há grama, mato, cachorro, nem pessoas
com o hábito de fazer suas necessidades no chão. Ou seja, não existia a menor
chance do meu tênis ser batizado. Dessa vez, nem pulando eu estava. Estava
parada, conversando com meus primos. Ainda tive tempo de olhar para cima e ver
o projétil concluindo sua trajetória no ar. Desfilou pelos ares, me elegeu
entre as tantas pessoas que estavam ali, passou fazendo um voo rasante pela minha
roupa e culminou explodindo aos meus pés. Dessa vez, uma manga podre. Porque no reveillon é assim. Tem gente que
solta fogos, tem gente que joga confete, serpentina e champanhe e,
aparentemente, algum vizinho da minha tia, tinha o peculiar hábito de soltar
manga pobre para dar boas vindas ao novo ano.
Me lembrei disso hoje, ao fazer as malas para a viagem do
reveillon. Tudo escolhido com muito cuidado. Inclusive um chinelinho vagabundo
para a hora da virada. Nem toda tradição é para ser mantida. Escolham bem o que
vão calçar e tenham um feliz ano novo!
Comentários
Vamos passar a virada de havaianas!!!
Bjoos