PODE CHORAR >> Kika Coutinho
Era quase hora do almoço e minha filha queria mais um quadradinho de chocolate. Eu olhei pra ela firme e respondi: "A mamãe te falou que aquele era o último. Agora chega."
Ela, no mesmo instante, gritou mais alto: “Mais! Quero mais!”. Eu mantive a pose e respondi “não”, tentando explicar que ela ia almoçar, que já tinha comido e tal, mas ela não quis saber e fez simplesmente o que as crianças fazem como ninguém: chorou. Chorou baixo, depois alto, depois chorou mais, depois berrou, depois se jogou no chão, depois voltou até mim, os olhos transbordando de lágrimas, como uma represa sem a sua barragem e, esperando uma resposta qualquer, eu lhe disse maquiavelicamente calma: “Não tem mais chocolate. Pode chorar, filha. Pode chorar...”
Enquanto ela voltava ao ciclo de se rebelar, eu questionava a minha atitude. Que raio de mãe eu era? Sofia estava cada vez mais manhosa e eu já dissera o fatídico “pode chorar” outras vezes. Deixei-a chorar para que ela aprendesse a dormir, deixei-a chorar para que não pegasse o brinquedo do colega, deixei-a chorar para que cuspisse a formiga que tinha acabado de pôr na boca, deixei-a chorar quando saí para trabalhar sem olhar para trás, deixei-a chorar quando arranquei de suas mãozinhas a caneta que tinha acabado de deixar um traço na minha parede branca, e outras tantas vezes, quando ela não teve a sua vontade atendida e eu lhe disse, calmamente, que podia chorar.
Pensei no restante de sua vida, que traumas teria por ter essa mãe dura e fria que eu – surpreendentemente – me mostrava algumas vezes. Como seria a sua vida com tantos fracassos? Mas como seria a vida de qualquer um sem fracassos? É possível atravessar a vida sem um arranhão? É possível prosseguir sem ralar os joelhos, sem perder alguns de seus tesouros, sem passar por uma conta negativa no banco? Tem de ser assim, pensei, enquanto a minha menina se acalmava sozinha, deitada no chão frio da cozinha.
Ah querida, eu pensei enquanto a olhava, com o coração partido, haverá outros doces que lhe serão negados. E, embora eu desejasse que não, sabia que ela teria de passar por frustrações piores. Talvez um emprego negado, talvez um amor não correspondido, uma traição da melhor amiga, uma grande perda, uma pequena topada no armário, um dedinho do pé que fica no sofá, ai, filha, quantas serão as suas lágrimas...
Ela se aproximou de mim e pousou, enfim, a cabecinha no meu braço. Suspirando entre as lágrimas, eu a abracei e voltei a dizer: "Pode chorar filha, mas não precisa."
Em um instante, fechei os olhos e desejei sempre poder estar por perto para poder fazer exatamente isso: abraçá-la e aceitar a sua dor.
www.embuchada.blogspot.com
Ela, no mesmo instante, gritou mais alto: “Mais! Quero mais!”. Eu mantive a pose e respondi “não”, tentando explicar que ela ia almoçar, que já tinha comido e tal, mas ela não quis saber e fez simplesmente o que as crianças fazem como ninguém: chorou. Chorou baixo, depois alto, depois chorou mais, depois berrou, depois se jogou no chão, depois voltou até mim, os olhos transbordando de lágrimas, como uma represa sem a sua barragem e, esperando uma resposta qualquer, eu lhe disse maquiavelicamente calma: “Não tem mais chocolate. Pode chorar, filha. Pode chorar...”
Enquanto ela voltava ao ciclo de se rebelar, eu questionava a minha atitude. Que raio de mãe eu era? Sofia estava cada vez mais manhosa e eu já dissera o fatídico “pode chorar” outras vezes. Deixei-a chorar para que ela aprendesse a dormir, deixei-a chorar para que não pegasse o brinquedo do colega, deixei-a chorar para que cuspisse a formiga que tinha acabado de pôr na boca, deixei-a chorar quando saí para trabalhar sem olhar para trás, deixei-a chorar quando arranquei de suas mãozinhas a caneta que tinha acabado de deixar um traço na minha parede branca, e outras tantas vezes, quando ela não teve a sua vontade atendida e eu lhe disse, calmamente, que podia chorar.
Pensei no restante de sua vida, que traumas teria por ter essa mãe dura e fria que eu – surpreendentemente – me mostrava algumas vezes. Como seria a sua vida com tantos fracassos? Mas como seria a vida de qualquer um sem fracassos? É possível atravessar a vida sem um arranhão? É possível prosseguir sem ralar os joelhos, sem perder alguns de seus tesouros, sem passar por uma conta negativa no banco? Tem de ser assim, pensei, enquanto a minha menina se acalmava sozinha, deitada no chão frio da cozinha.
Ah querida, eu pensei enquanto a olhava, com o coração partido, haverá outros doces que lhe serão negados. E, embora eu desejasse que não, sabia que ela teria de passar por frustrações piores. Talvez um emprego negado, talvez um amor não correspondido, uma traição da melhor amiga, uma grande perda, uma pequena topada no armário, um dedinho do pé que fica no sofá, ai, filha, quantas serão as suas lágrimas...
Ela se aproximou de mim e pousou, enfim, a cabecinha no meu braço. Suspirando entre as lágrimas, eu a abracei e voltei a dizer: "Pode chorar filha, mas não precisa."
Em um instante, fechei os olhos e desejei sempre poder estar por perto para poder fazer exatamente isso: abraçá-la e aceitar a sua dor.
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Comentários
bjs
As vezes,eu me sinto assim, achando que estou sendo dura demais como mãe.
È sempre bom saber que outras mães sentem a mesma coisa.
Vc sempre escreveu bem.
Mas esta sua crônica está especialíssima.
Te gosto sempre.
Bj
Raul
Vc é uma mãe maravilhosa... Um beijo.
Sabrina, penso que todas as mães são cheias e de amor e de culpa, quase que em medidas parecidas.
Raul, que honra um comentário seu, que alegria, obrigada!
Dé, querida, muitas saudades, sempre.
beijos em todos