VERANEIO CRUZEIRENSE >> Whisner Fraga

Estava decidido: se não tínhamos namorada, paquera ou sequer um rolo naquela metade da adolescência era porque não possuíamos um carro. O cenário perfeito nos incluía dentro de uma camiseta do Mercyful Fate e o conjunto no interior de um Fusca ou de um Chevette, contornando duzentas e quarenta e duas vezes por noite a praça da vinte e seis com a dezessete. Parecia sem sentido, mas em nossas cabeças aquela tática nos traria, milagrosamente, um beijo, um abraço mais caloroso ou até uma mão em algum peito.

Assim, quando descobrimos que poderíamos, eventualmente, utilizar a Veraneio azul do pai de Everaldo para nossas megalomanias, nos sentimos um pouco mais poderosos. Era questão de tempo para estarmos arranjados. O teste seria no sábado seguinte, quando nós cinco desceríamos para o centro e tentaríamos a sorte, agora mais próxima de nossos desejos. Cada um contribuiu com o que pôde e a grana nos rendeu seis litros de gasolina, o que daria pelo menos para chegarmos motorizados ao barzinho mais badalado de Ituiutaba. Se desse para voltarmos também, melhor ainda.

A noite de sábado prometia e, a partir da terça-feira, eu não consegui mais dormir direito. Era muito para minha cabeça nerd. Os dias foram passando, arrastados, frouxos, como se estivessem com febre. Era uma sensação esquisita. Só que chegou a hora. Vesti uma camiseta de meu irmão, uma calça de meu irmão e, para variar, calcei um sapato de meu irmão, porque parecia que ele se vestia melhor do que eu, e rumei para a padaria.

É, a Veraneio do pai de Everaldo era usada para carregar farinha. Entramos. Eu preciso dizer: Everaldo era um cara meio maluco, uns três anos mais velho do que o resto da turma, e frequentava umas quebradas meio suspeitas. Assim, antes de rumarmos para o centro, ele propôs dar uma passada na zona. A zona, o centro de meretrício, o puteiro, ficava distante de tudo, mas a sugestão foi acolhida com palmas. Passamos em frente, demos uns gritos, fizemos umas piadas e ficou nisso. Era hora de descer para a praça.

O problema é que uma Veraneio faz (ou fazia) uns dois quilômetros por litro e, quase chegando na esquina da dezenove, a cento e poucos metros do movimento, o carro engasgou, tossiu e finalmente morreu. A gasolina fizera o possível, mas o motor só trabalhava cheio - era descer e empurrar. Everaldo continuaria manobrando a máquina e nós a empurraríamos. O ruim dessa história é que não havia outro caminho dali até nossas casas: passaríamos em frente ao barzinho, onde uns duzentos adolescentes aguardavam para saldar nosso vexame. Como tudo que está ruim pode piorar, percebemos que nossas camisas, nossas calças, nossos sapatos, estavam cheios de manchas brancas. Naquele balanço infindável de um veículo com a suspensão detonada, restos de farinha se esparramaram pelas nossas roupas.

Não era nada bonito para nosso currículo: seria melhor se continuássemos desconhecidos. Mas enfrentamos o ocorrido de cabeças mais ou menos erguidas. Foi ruim escutar aqueles moleques rirem da gente, mas a vida é assim mesmo e o ser humano é um negócio tão intrigante que mesmo nesses momentos aprende algo. Até que lá de dentro do bar saiu um moleque, tão franzino e deslocado quanto nós, se aproximou e, sem dizer nada, começou a nos ajudar a empurrar. Foi emocionante e foi desse jeito que o nosso grupo ganhou um novo integrante.

Comentários

Unknown disse…
Tô pra dizer que se Veraneio fosse atleticana vocês não teriam ficado na mão =)
O que na vida é fracasso, às vezes vira sucesso na literatura. :)
whisner disse…
Fernanda, naquele momento não nos importaríamos com uma força atleticana...

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