BULLYING, ESCOLHA O SEU >> Fernanda Pinho
Não se fala em outra coisa. Já beira os limites do suportável a atenção que o mundo inteiro vem dando ao casamento do Príncipe William com Kate Middleton. A euforia é tanta que até o Globo Repórter abriu mão de exibir mais um programa sobre os mistérios dos oceanos (ou qualquer outro ecossistema que o valha) para fazer uma edição dedicada ao festejado enlace real. O mais curioso é que, lá pelas tantas, a repórter Ilze Scamparine conseguiu a façanha de cruzar os dois assuntos do momento ao informar, como quem não quer nada que, sim, Kate Middleton sofria bullying na escola! A reportagem não entrou em detalhes sobre que tipo de bullying e nem era necessário. A informação por si só já contribuiu para florear ainda mais a aura da plebeia obstinada, que conseguiu o casamento mais desejado do mundo. Sofrer bullying implica em ter sido vítima. E ser vítima te redime de todo e qualquer erro. E já nem falo mais da futura princesa - quem sou eu, pobre mortal, pra apontar algum erro nessa mulher? Falo da obsessão recente da humanidade em apontar o bullying como a origem de todo o mal. Ou, pior, criar heróis e heroínas, que sobreviveram bravamente a algo que sempre existiu e só não tinha sido batizado aqui no Brasil.
A versatilidade de reações ao bullying chega a ser cômica. Cada um escolhe a situação da qual foi vítima e aplica ao contexto que lhe parecer mais apropriado. Geisy Arruda foi promovida da categoria de ninguém a subcelebridade após sofrer o famigerado bullying do vestido rosa. Já a novidade teen Rebecca Black diz ter sofrido bullying na escola para explicar por que não se abala com as críticas que dizem que seu hit "Friday" é a pior música do mundo. Tudo bem, Rebecca, melhor gravar a pior música do mundo (uma pretensão, aliás, já ouvi coisa bem pior) do que voltar à escola onde estudou e matar mais de dez crianças, como o monstro de Realengo. O bullying justifica o estrelato instantâneo, os comportamentos bizarros na vida adulta e até o injustificável.
Se eu soubesse que seria assim, teria me aproveitado melhor disso. Quando adolescente, eu já tinha 1.80m, pesava dez quilos menos que hoje, usava óculos, aparelho, e era a pessoa mais desengonçada do planeta para a prática de esportes. Quer dizer, praticamente a personificação da palavra bullying. Eu poderia ter me traumatizado com as tantas piadinhas que ouvi. Mas eram só piadinhas. Eu não sabia o que era bullying (e continuei sem saber até, sei lá, dois anos atrás). Assim como a minha irmã que, embora linda e a melhor aluna da sala, sofreu uma das agressões mais cruéis que já vi. Diabética, ela teve que suportar, aos dez anos de idade, uma colega de sala levar doce de merenda e ficar passando na cara dela e dizendo "eu não te dou, porque você não merece" (a situação durou dias, até que eu, a irmã mais velha, descobri e cometi bullying contra a outra!). Bom, minha irmã poderia ter se tornado uma assassina em série ou uma garota obcecada em mostrar a bunda em alguma revista. Mas ela só se tornou uma das adultas mais inteligentes e bem resolvidas que conheço. Porque naquele tempo não existia bullying...
Imagem: Uol
Comentários
Ótima crônica! E faça como ando fazendo: ouço o nome Kate ou William e desligo o rádio, a televisão, viro a folha do jornal... Descanso do excesso.
Como eu até comentei com vc no Face, agora até a Depressão pós-parto virou justificativa pra abandonar seus bebês no lixo!
Um absurdo que a mídia gosta de explorar!
Eu sempre fui gordinha, e cheguei a ser zuada claro, mas não me lembro ao certo, sabe por quê? Nunca dei importância, e os apelidos nunca pegaram, e eu ainda ganhava um monte de amigos de lambuja!
Acho que não temos que incentivar agressões nas escolas, ou onde quer que seja, claro que não, mas as crianças precisam aprender a se defender, e entender que o mundo é sim cruel, e as coisas só pioram. Estar preparado pra isso, é fundamental, infelizmente!
Beijos grandes
Um abraço
felizes os que passamos supostamente incólumes por essas agressões. Mas há os que saíram feridos ou nem saíram,pela violência delas ou pela fragilidade deles.
Também temos que observar a coisa por outro perfil, daqueles que são tímidos, ou dos que tem alguma deficiência física, esses possuem plena capacidade mental, mas qual o efeito do bullying nessas pessoas? É muito fácil dizer sofri bully, mas tirei de letra, ok, parabéns você é uma pessoa de personalidade, e os que não são assim? Os que não enfrentam? Os que sofrem? Os que se deprimem? Os que tem que enfrentar barreiras? Esses são as verdadeiras vítimas, esses são os que os algozes procuram, esses não vão esquecer tão cedo.
Minha irmã tem deficiência auditiva, é uma garota bonita, inteligentissima, mas sofreu bully, era chamada de esquisita, surda, e como era um poço de timidez, não tirava de letra, sofria, e demorou tempos pra se aceitar, aceitar que ela não era uma esquisita, e finalmente se ver como uma pessoa normal.
Li blogs que citaram o caso da Geyse Arruda, desculpe mas na minha modesta opinião aquilo não foi um bullying, foi um episódio esporádico em que foi manipulada toda uma situação, de forma polêmica (não disse aqui certa ou errada e sim polêmica) para levar vantagem, e a mídia adorou.
Gente, é preciso separar o joio do trigo, é preciso estar atento, é preciso se informar.
Porque a novidade que realmente importa aqui não é a denominação do problema, e adivinhem com uma palavra inglesa, não são os fatos, não é exploração pela mídia. É imprescindível tornar oficial o preconceito e fazer um alerta que o bullying numa fase, geralmente, tão imatura e instável da vida PODE transformar personalidades, influenciar destinos e destruir seres humanos.
E, que fique claro: minha crônica é estritamente sobre o fato de algumas pessoas se utilizarem do bullyng como justificativa inadequada para determinados tipos de comportamento. Hora nenhuma eu disse que não existe bullying, nem que não se deve ser levado em conta o impacto que isso DE FATO tem na vida de determinadas pessoas. Mas isso seria assunto para uma outra crônica que, pelo visto, já está escrita por vocês =)
Beijos!