VOCÊ REPAROU NAQUELE MENINO...
[Maria Rita Lemos]
... sentado, quietinho, no fundo da classe, sem amigos, mas também sem dar trabalho a ninguém? As escolas, públicas e particulares, enfim, a educação como um todo, tenta entender como conter o aluno sem limites, que vive atrapalhando as aulas e os colegas, aquele que não deixa o professor transmitir o conteúdo de cada matéria.
No entanto, há outro tipo de crianças e adolescentes. Existem aqueles, geralmente meninos (resta estudar o porquê...), que se sentam no fundo da classe, entram mudos e saem calados das aulas. Geralmente têm bom rendimento escolar, às vezes até acima da média. O que chama atenção neles, ou deveria chamar, é sua solidão, o isolamento em que vivem, dentro e fora da escola. Eles não participam de grupos de estudos, a não ser quando obrigados a isso. Não emitem sua opinião, não fazem perguntas. Não “ficam” com as meninas, não são convidados para festinhas, ou quando são não comparecem. São quase invisíveis, como o jovem Wellington, que no dia 7 de abril saiu atirando numa escola do Realengo, no Rio. São invisíveis como ele deve ter sido, por muitos anos de sua vida. Aliás, pelo que li, com a curiosidade própria de psicóloga, fui juntando os pedacinhos desse jovem que causou tanta dor, mas que era, ele também, uma síntese de todas as dores dos solitários, tanto que transformou sua vida em morte, sua e de dezenas de inocentes.
Era inevitável que a mídia trouxesse, como o fez, especialistas em criminalística e psicólogos, forenses ou não, para dar suas explicações pessoais: o atirador do Realengo era psicopata, vítima de “bullying”, seguidor fanático do islamismo; enfim, o rapaz foi classificado e rotulado, de todas as formas possíveis. Pena que ninguém, nem mesmo os vizinhos e parentes, prestou atenção naquele rapaz. Sim, porque deveria ter despertado a curiosidade de alguém aquele jovem, ainda quase adolescente, que morava sozinho desde a morte da mãe (que certamente evitou que tudo acontecesse há dois anos, quando ainda vivia), que pediu demissão da empresa em que trabalhou... Ninguém sabia nada dele, que se fechou na casa que herdou, a quilômetros dos irmãos, tendo como companhia única a tela de um computador. Ninguém reparou no rapaz de barbas longas que comprava todos os dias guaraná, no mesmo bar, e se trancava em casa, sozinho, porque ninguém repara em gente assim, afinal cada um vive como quer. É exatamente aí que mora o perigo: no “não fazer”, não ver, chorar somente sobre o leite derramado.
Agora que a mídia mostrou os detalhes do crime, à exaustão, nesse momento em que o Brasil está entrando para o noticiário policial no tocante aos assassinatos em massa, como só se via em outros países, começam a surgir as cabeças pensantes, refletindo sobre o óbvio: o que está acontecendo com a sociedade? Que tipo de monstros estamos gerando? Como eles se desenvolvem?
De poucas coisas temos certeza, mas uma delas não me sai da cabeça: o culto ao consumismo está nos consumindo cada vez mais, e não estamos nos dando conta. As pessoas estão perdendo a identidade, o que importa são as estatísticas, o “público alvo”, numa sociedade que cada vez consome mais, sem saber o que nem para que, sem sequer refletir se precisa do que está consumindo, se o que está consumindo vai tirar o pão de outrem, ou se o seu consumo vai, de alguma forma, desequilibrar nossa mãe natureza. O “assassino de Realengo” viveu vinte e quatro anos num mundo contraditório, com uma mídia ainda mais confusa. Aliás, vivemos numa sociedade hipócrita, que prega a inclusão e o respeito à diversidade, mas deixa claro que só serão aceitas nos melhores empregos as pessoas brancas, magras, “bem vestidas” (em que sentido?) e, ao menos aparentemente, heterossexuais. Não precisa muito tempo, meia hora de televisão é o bastante para a gente perceber, que, quando alguém diferente do “padrão ideal” aparece, em programas ou comerciais, é para trazer toques de humor, fazer rir, sobretudo fazer comprar.
Na escola do Realengo, houve dezenas de vítimas, infelizmente crianças, incapazes de defesa, que não sabiam como nem por que estavam morrendo. No entanto, quanta gente, quantas crianças inclusive, estão neste mesmo momento, hoje, morrendo também, de falta de atendimento em órgãos públicos de saúde falidos, quanta gente está morrendo por falta de cultura, por descaso, por ser ridicularizado nos “bullyings” da vida (e não só nas escolas?) Quanta gente não estará, neste mesmo domingo de Ramos, morrendo de solidão, na frente de computadores que não têm braços nem abraçam? É triste ver tantas crianças mortas, tantas famílias desfeitas, mas também é triste ver a humanidade se desumanizando, sem ao menos prestar atenção no que está havendo.
Para os pais das vítimas, uma grande dor. Para nós, estudiosos do comportamento, um caso a mais a ser pesquisado. Para a mídia, ou grande parte dela (há que se fazer justiça), é mais um espetáculo a ser explorado “ad infinitum”...
No entanto, o sargento que arriscou a vida na escola do Realengo não será, jamais, um dos “heróis do Bial”, nem ganhará um milhão de reais da Rede Globo. É isso aí, e sinto muito por terminar de forma tão triste esse texto. Enquanto não nos humanizarmos, enquanto não prestarmos atenção nos garotos dos cantos das salas de aula... enquanto dermos mais valor à capa que ao conteúdo, ao que as pessoas são exteriormente que à sua essência, nada vai mudar. Apesar dos reforços policiais, de guardas armados em frente às escolas, de detectores de metais, “tudo vai ser como era dantes no quartel de Abrantes”, como diz o ditado.
Pelo menos, temos como fator positivo a inquestionável solidariedade de nosso povo, que ainda está intocada, depois das tragédias, no socorro às vítimas, no enxugar das lágrimas. Falta pensar em como evitar toda essa dor, e essa é uma responsabilidade de todos nós, que somos uma partícula, ainda que ínfima, dessa massa de seres que se dizem humanos.
No entanto, há outro tipo de crianças e adolescentes. Existem aqueles, geralmente meninos (resta estudar o porquê...), que se sentam no fundo da classe, entram mudos e saem calados das aulas. Geralmente têm bom rendimento escolar, às vezes até acima da média. O que chama atenção neles, ou deveria chamar, é sua solidão, o isolamento em que vivem, dentro e fora da escola. Eles não participam de grupos de estudos, a não ser quando obrigados a isso. Não emitem sua opinião, não fazem perguntas. Não “ficam” com as meninas, não são convidados para festinhas, ou quando são não comparecem. São quase invisíveis, como o jovem Wellington, que no dia 7 de abril saiu atirando numa escola do Realengo, no Rio. São invisíveis como ele deve ter sido, por muitos anos de sua vida. Aliás, pelo que li, com a curiosidade própria de psicóloga, fui juntando os pedacinhos desse jovem que causou tanta dor, mas que era, ele também, uma síntese de todas as dores dos solitários, tanto que transformou sua vida em morte, sua e de dezenas de inocentes.
Era inevitável que a mídia trouxesse, como o fez, especialistas em criminalística e psicólogos, forenses ou não, para dar suas explicações pessoais: o atirador do Realengo era psicopata, vítima de “bullying”, seguidor fanático do islamismo; enfim, o rapaz foi classificado e rotulado, de todas as formas possíveis. Pena que ninguém, nem mesmo os vizinhos e parentes, prestou atenção naquele rapaz. Sim, porque deveria ter despertado a curiosidade de alguém aquele jovem, ainda quase adolescente, que morava sozinho desde a morte da mãe (que certamente evitou que tudo acontecesse há dois anos, quando ainda vivia), que pediu demissão da empresa em que trabalhou... Ninguém sabia nada dele, que se fechou na casa que herdou, a quilômetros dos irmãos, tendo como companhia única a tela de um computador. Ninguém reparou no rapaz de barbas longas que comprava todos os dias guaraná, no mesmo bar, e se trancava em casa, sozinho, porque ninguém repara em gente assim, afinal cada um vive como quer. É exatamente aí que mora o perigo: no “não fazer”, não ver, chorar somente sobre o leite derramado.
Agora que a mídia mostrou os detalhes do crime, à exaustão, nesse momento em que o Brasil está entrando para o noticiário policial no tocante aos assassinatos em massa, como só se via em outros países, começam a surgir as cabeças pensantes, refletindo sobre o óbvio: o que está acontecendo com a sociedade? Que tipo de monstros estamos gerando? Como eles se desenvolvem?
De poucas coisas temos certeza, mas uma delas não me sai da cabeça: o culto ao consumismo está nos consumindo cada vez mais, e não estamos nos dando conta. As pessoas estão perdendo a identidade, o que importa são as estatísticas, o “público alvo”, numa sociedade que cada vez consome mais, sem saber o que nem para que, sem sequer refletir se precisa do que está consumindo, se o que está consumindo vai tirar o pão de outrem, ou se o seu consumo vai, de alguma forma, desequilibrar nossa mãe natureza. O “assassino de Realengo” viveu vinte e quatro anos num mundo contraditório, com uma mídia ainda mais confusa. Aliás, vivemos numa sociedade hipócrita, que prega a inclusão e o respeito à diversidade, mas deixa claro que só serão aceitas nos melhores empregos as pessoas brancas, magras, “bem vestidas” (em que sentido?) e, ao menos aparentemente, heterossexuais. Não precisa muito tempo, meia hora de televisão é o bastante para a gente perceber, que, quando alguém diferente do “padrão ideal” aparece, em programas ou comerciais, é para trazer toques de humor, fazer rir, sobretudo fazer comprar.
Na escola do Realengo, houve dezenas de vítimas, infelizmente crianças, incapazes de defesa, que não sabiam como nem por que estavam morrendo. No entanto, quanta gente, quantas crianças inclusive, estão neste mesmo momento, hoje, morrendo também, de falta de atendimento em órgãos públicos de saúde falidos, quanta gente está morrendo por falta de cultura, por descaso, por ser ridicularizado nos “bullyings” da vida (e não só nas escolas?) Quanta gente não estará, neste mesmo domingo de Ramos, morrendo de solidão, na frente de computadores que não têm braços nem abraçam? É triste ver tantas crianças mortas, tantas famílias desfeitas, mas também é triste ver a humanidade se desumanizando, sem ao menos prestar atenção no que está havendo.
Para os pais das vítimas, uma grande dor. Para nós, estudiosos do comportamento, um caso a mais a ser pesquisado. Para a mídia, ou grande parte dela (há que se fazer justiça), é mais um espetáculo a ser explorado “ad infinitum”...
No entanto, o sargento que arriscou a vida na escola do Realengo não será, jamais, um dos “heróis do Bial”, nem ganhará um milhão de reais da Rede Globo. É isso aí, e sinto muito por terminar de forma tão triste esse texto. Enquanto não nos humanizarmos, enquanto não prestarmos atenção nos garotos dos cantos das salas de aula... enquanto dermos mais valor à capa que ao conteúdo, ao que as pessoas são exteriormente que à sua essência, nada vai mudar. Apesar dos reforços policiais, de guardas armados em frente às escolas, de detectores de metais, “tudo vai ser como era dantes no quartel de Abrantes”, como diz o ditado.
Pelo menos, temos como fator positivo a inquestionável solidariedade de nosso povo, que ainda está intocada, depois das tragédias, no socorro às vítimas, no enxugar das lágrimas. Falta pensar em como evitar toda essa dor, e essa é uma responsabilidade de todos nós, que somos uma partícula, ainda que ínfima, dessa massa de seres que se dizem humanos.
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