A RESSACA DA CRÔNICA >> Albir José da Silva

Esta crônica não quer falar de saudade do ano que passou porque ainda é cedo para sentir saudade de um ano que não foi tão bom assim. Nem falar das festas e tragédias do réveillon porque todo mundo já sabe e não acha graça nenhuma. Nas festas porque já acabaram. E nas tragédias porque todo ano se repetem e nunca tiveram graça mesmo.

Também não quer falar do futuro, com previsões genéricas como as que sempre ouve, que não chegam a pessimistas nem deixam de ser otimistas, muito pelo contrário, o que acontece foi previsto por todos os videntes por mais antagônicos que possam parecer à primeira vista.

Uma primeira crônica do ano acha que não deve tratar de planos e promessas, que essa falação só serve pra relaxar a vontade e substituir as atitudes. Uma pessoa enjoa da promessa antes mesmo de começar a cumpri-la, de tanto que se fala em determinação, foco, honestidade consigo mesmo e outras chatices que só servem para os outros.

Ela não aguenta mais falar em corrupção e simpatia, seja com arruda atrás da orelha ou com cédulas impudicas nas partes pudendas e atrás dos panos. Rejeita falar de amores, trocada que foi por poemas e textos melosos muito comuns no final do ano.

Não vai falar do tempo porque todo mundo sabe que faz calor e chove e faz sol todos os dias. Não quer nada com política, que este ano tem eleição e todo mundo já vai falar muito mesmo e ninguém quer saber o que pensa uma pobre crônica. O mesmo se diga do futebol porque, se choram cariocas, paulistas ou argentinos, não faz a menor diferença para ela.

Não quer falar de escolas porque, de férias, ninguém quer ser lembrado disso. Do carnaval não sabe nada, não aprendeu um único samba-enredo e ainda não se recuperou de outras festas. Recusa-se a cuidar de medos, que essa sensibilidade toda diante de nada está mais pra frescura pessoal do autor.

Revoltada, repeliu até a metacrônica, dizendo que não há graça nenhuma em falar de si mesma quando só quer ficar quietinha no seu canto.

A crônica está de ressaca. Qualquer desses assuntos serviria ao autor, mas ela se recusa. Amotinou-se. E não há nada que um cronista banana possa fazer, a não ser se lamentar com vocês.

Ousada, inconveniente e insubordinada é a minha crônica. Preciso resolver questões internas de disciplina. Por hoje, eu passo. Tenho certeza de que outros saberão dizer a suas crônicas quem é que manda.

E antes que ela me reprima o lugar-comum: feliz ano novo!

Comentários

Um primor, Albir! Você acabou de escreveu um clássico. :)

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