MILIONÁRIO >> Eduardo Loureiro Jr.
Aconteceu. Ganhei a Mega-sena da Virada. Sou um milionário por ter comprado um bilhete de dois reais, na lotérica da rodoviária, simplesmente porque estava impaciente com a espera do ônibus e queria fazer alguma coisa para passar o tempo.
A sensação é de alívio. Porque, há uns três anos, minha irmã caçula havia sonhado que eu ganhava na mega-sena. Mesmo as mulheres da minha família tendo um longo histórico de sonhos premonitórios (alguns deles envolvendo loterias), eu esqueceria aquele episódio se minha irmã, num acesso de boa memória e de detalhismo, não tivesse se lembrado dos números com que eu ganharia na mega-sena: 10, 27, 40, 46, 49, 58. Esses números começaram a me perseguir e eu até deixei de ler jornal ou de assistir a telejornal com medo de ver estampada no papel ou na tela aquela sequência de números. Já imaginaram o que é deixar de ser milionário porque não se acreditou num sonho da irmã? Deve ser qualquer coisa parecida com o inferno. Minha irmã com certeza diria: "Aff, meu irmão, pelamordi..."
Então, de vez em quando, ao passar em frente a uma lotérica e sentir a onda do sentimento de culpa se aproximando, preencho os mesmos sonhados números no cartão e engordo o caixa dos donos de lotérica. Às vezes nem confiro o resultado. Dou-me por satisfeito só em ter jogado. Se eu ganhasse e não soubesse, a culpa não seria mais de não ter acreditado na irmã, seria só leseira minha mesmo.
Então um amigo me liga, faltando pouco para a virada de ano e pergunta se ganhei na mega-sena. Ele não sabia de nada dessa história de sonhos de fortuna, perguntou por perguntar, por fastio de dizer apenas boa-noite ou feliz-ano-novo. E eu entrei na brincadeira e pedi a ele que me dissesse os números.
— 10.
— Começamos bem.
— 27.
— Opa, mais um.
— 40.
— Já estou sentindo cheirinho de quadra.
— 46.
— O investimento já deu retorno.
— 49.
— Rapaz, mas tu é muito adivinhão.
— 58.
— Pronto, estou milionário.
Meu amigo riu. E eu ri também. Ele achava que eu estava brincando. Eu achava que ele estava brincando. Nos despedimos e eu liguei o computador para ver quais foram os números "realmente" sorteados, porque aquilo só podia ser brincadeira. Mas lá estavam os números em todos os portais que acessei: 10, 27, 40, 46, 49, 58. Eu estava mesmo milionário.
Sei que deveria ficar calado para não atrair cobradores, organizações de caridade, parentes distantes com pendências urgentes, sequestradores e repórteres, mas o vício de escritor fala mais alto: perde-se o sossego, mas não uma boa história.
Agora não é mais uma questão do que eu "faria" se ganhasse na mega-sena. Trata-se do que farei. A resposta, entretanto, é a mesma: NADA. Antigamente, eu respondia isso num tom jocoso. "Não farei nada, pararei de fazer qualquer coisa, passarei os dias deitado numa rede lendo e dormindo. Vou virar baiano, serei a reencarnação do Dorival Caymmi." A resposta atual, meu nada atual, é simplesmente continuar fazendo o que estou fazendo. Nada de dar a volta ao mundo, nada de ajudar os necessitados, nada de fundar uma editora. Apenas continuar acordando cedo, fazer minha caminhada, comer minha granola e fazer o que me der vontade durante o dia: escrever, ler, ouvir música, compor, ver filmes, conversar com amigos, inventar qualquer novo projeto que será imediatamente engavetado, deitar na rede. Vocês nunca desconfiaram que sou um preguiçarrólique?
E quando precisar da grana, para trocar os punhos da rede, para comprar livros, alugar filmes ou aumentar a banda da internet, saberei que o dinheiro estará lá na Caixa, rendendo juros. Não que a grana seja muita. Uma outra pessoa dividirá o prêmio comigo, já que também deve ter uma irmã sonhadora, ou uma cartomante de respeito, ou abriu o biscoitinho da sorte certo. Disponho de pouco mais de 72 milhões de reais, e penso que é justo dar metade disso para a minha irmã. Então me sobram "apenas" 36 milhões. Melhor que nada, admito. Mas não posso vacilar. Nada de ficar investindo em coisas sem futuro: melhor é deixar que o dinheiro cuide de si mesmo e ficar deitado na rede.
Por falar nisso, a crônica está ficando longa e minhas costas estão começando a doer. Vou ali repousar um pouquinho o esqueleto. Amanhã terei um dia difícil. Tenho que receber meu prêmio. Um verdadeiro suplício. Eu, que nunca ando com mais de 40 reais na carteira, irei até o banco com um papelzinho que vale 72 milhões de reais. Não vou botar na carteira. No bolso da calca, pode cair inadvertidamente. A meia ou a cueca seriam uma boa opção, mas, com tanta ansiedade e medo de ser roubado, corre o risco de eu suar demais nos pés ou de me mijar nas calças. Será que, só escaneando o bilhete e mandando para o gerente, ele abre a conta milionária para mim? Minha vida de rico já começou muito estressante. Vou pedir a minha irmã que, da próxima vez que tiver um sonho desses, nem me conte. Não é possível ser feliz com a expectativa de se tornar um milionário, nem com a indiferença em relação a se tornar um milionário, nem mesmo sendo um milionário de fato. É uma armadilha, uma maldição. Valha-me, São Francisco das roupas rotas. Meu prêmio por um bom trapo. Eu quero é minha rede velha.
Quanto a vocês, caros leitores, se estiverem precisando de grana, já sabem: alguns bancos estão com umas taxas bem atraentes. Tenho certeza de que vocês conseguirão um empréstimo razoável em algum lugar.
Feliz 2010 milhões para vocês também.
Comentários
Tia Monca
Só cinquentinha, Ana? Já deixei autorização com meu novo gerente. É só você passar na Caixa. ;)
Fábio, um milhão é mais do que justo. Vou perguntar ao meu arauto se ele prefere um milhão cozido ou um milhão assado. :)