SOBRE LENÇOS DE PAPEL E ARMÁRIOS >>
Cristiana Moura
Tirei rápido a mão da bolsa. Ai, ai, ai. Uma bagunça. Mão e bolsa meladas por uma pomada cujo tubo se perdeu da tampa.
— Ana, você com essa bolsa grande tem guardanapo, papel higiênico, lenço de papel ou algo assim?
— Tenho lenço de papel. É que sempre alguém chora perto de mim.
Nesse instante, deixei de ouvir a música e a multidão do show. Sua fala me encantou daquele jeito que só os pequenos acontecimentos que alteram o fluxo da respiração e do cotidiano são capazes de encantar. E ela continuou:
— Em qualquer lugar, no trabalho, num passeio, sempre alguém chora perto de mim. Então eu trago os lencinhos.
Quase choro também de uma emoção leve e livre que borbulhou entre o esôfago e a face. Senti, por dentro, um sorriso daqueles que são fruto de cócegas bem vindas, me fazendo acreditar que, se as lágrimas tivessem escapulido, teriam virado bolhas de sabão.
Não, não chora! Põe um sorriso neste rosto! Vai chorar agora? Aqui não, não, não chora. São frases que se diz e que se ouve. Por vezes, vêm junto com cafunés. Ah, é que a gente quer ver feliz quem a gente ama — já me retrucaram enquanto escrevo. É fato e não nego o desejo de ver sorrisos nos rostos amados. Mas talvez não saibamos o que fazer com as lágrimas. Parece-me que ficou difícil conviver com alguma tristeza, alguma angústia, aquela dor que nasceu agora ou que é antiga e acordou.
Esta semana uma moça me disse mais ou menos assim: "E por que não posso estar triste? Por que não posso sentir solidão? Quero meu direito de chorar, de me angustiar com a solidão e ao mesmo tempo gostar dela. Não quero uma felicidade conveniente."
Nessa hora lembrei-me que Clara, filha de um querido amigo psiquiatra, quando era menina pequena, perguntou ao pai:
— Pai, o que você faz no seu trabalho?
— Eu trato das pessoas quando elas estão tristes.
— E por que as pessoas não podem ficar tristes?
Muito tempo depois, Clara foi estudar psicologia. Que bom — pensei —, ela sabe que as pessoas podem ficar tristes.
Esta semana, as palavras se emaranharam e a crônica ficou meio presa em mim. Hoje, acordei disposta a tomar emprestado ao tempo algum texto antigo. Em vez de escrever, comecei a fuçar num armário onde guardo muitos cadernos. Desde a adolescência ando com um na bolsa. Pequenos textos, anotações, desabafos, contas, listas de tarefas, projetos, desenhos — tem de um tudo nestes cadernos. Nessa procura vi que aquele espaço clamava por uma arrumação. Em vez de uma crônica para hoje, encontrei os segredos que gavetas, caixas e armários guardam. O lado de dentro do armário é um lugar de intimidade. Organizá-lo é também arrumar memórias. É inspirar e transpirar um tumulto de emoções. É cuidar do vivido e do cotidiano íntimo.
Quando choro, tem algo por dentro que é tristeza, noutras vezes é alegria. Quando choro, tem um algo por dentro que se arruma.
Ao tirar os lenços de papel da bolsa, Ana, sem precisar de palavras, diz: "Pode chorar. Pode arrumar o armário. Pode cuidar dos segredos. Pode."
— Ana, você com essa bolsa grande tem guardanapo, papel higiênico, lenço de papel ou algo assim?
— Tenho lenço de papel. É que sempre alguém chora perto de mim.
Nesse instante, deixei de ouvir a música e a multidão do show. Sua fala me encantou daquele jeito que só os pequenos acontecimentos que alteram o fluxo da respiração e do cotidiano são capazes de encantar. E ela continuou:
— Em qualquer lugar, no trabalho, num passeio, sempre alguém chora perto de mim. Então eu trago os lencinhos.
Quase choro também de uma emoção leve e livre que borbulhou entre o esôfago e a face. Senti, por dentro, um sorriso daqueles que são fruto de cócegas bem vindas, me fazendo acreditar que, se as lágrimas tivessem escapulido, teriam virado bolhas de sabão.
Não, não chora! Põe um sorriso neste rosto! Vai chorar agora? Aqui não, não, não chora. São frases que se diz e que se ouve. Por vezes, vêm junto com cafunés. Ah, é que a gente quer ver feliz quem a gente ama — já me retrucaram enquanto escrevo. É fato e não nego o desejo de ver sorrisos nos rostos amados. Mas talvez não saibamos o que fazer com as lágrimas. Parece-me que ficou difícil conviver com alguma tristeza, alguma angústia, aquela dor que nasceu agora ou que é antiga e acordou.
Esta semana uma moça me disse mais ou menos assim: "E por que não posso estar triste? Por que não posso sentir solidão? Quero meu direito de chorar, de me angustiar com a solidão e ao mesmo tempo gostar dela. Não quero uma felicidade conveniente."
Nessa hora lembrei-me que Clara, filha de um querido amigo psiquiatra, quando era menina pequena, perguntou ao pai:
— Pai, o que você faz no seu trabalho?
— Eu trato das pessoas quando elas estão tristes.
— E por que as pessoas não podem ficar tristes?
Muito tempo depois, Clara foi estudar psicologia. Que bom — pensei —, ela sabe que as pessoas podem ficar tristes.
Esta semana, as palavras se emaranharam e a crônica ficou meio presa em mim. Hoje, acordei disposta a tomar emprestado ao tempo algum texto antigo. Em vez de escrever, comecei a fuçar num armário onde guardo muitos cadernos. Desde a adolescência ando com um na bolsa. Pequenos textos, anotações, desabafos, contas, listas de tarefas, projetos, desenhos — tem de um tudo nestes cadernos. Nessa procura vi que aquele espaço clamava por uma arrumação. Em vez de uma crônica para hoje, encontrei os segredos que gavetas, caixas e armários guardam. O lado de dentro do armário é um lugar de intimidade. Organizá-lo é também arrumar memórias. É inspirar e transpirar um tumulto de emoções. É cuidar do vivido e do cotidiano íntimo.
Quando choro, tem algo por dentro que é tristeza, noutras vezes é alegria. Quando choro, tem um algo por dentro que se arruma.
Ao tirar os lenços de papel da bolsa, Ana, sem precisar de palavras, diz: "Pode chorar. Pode arrumar o armário. Pode cuidar dos segredos. Pode."
Comentários
kARLA CAIXETA