UMA VIAGEM EM CADA CHEIRO >> Mariana Scherma
Já
perdi as contas de quantas vezes vi o filme Alta Fidelidade, baseado no livro
de mesmo nome do Nick Hornby. Adoro a trilha sonora, as sacadas e,
sobretudo, a interpretação de John Cusack para o personagem Rob. Um fim de
semana desses, reprisou em algum canal e lá fui eu pela 1894ª vez assisti-lo. Quase
no fim, eu me deparei com essa frase do Rob, citando as cinco coisas que mais
sentia falta da namorada, uma delas era o cheiro: “I miss her smell, and the
way she tastes. It's a mystery of human
chemistry and I don't understand it, some people, as far as their senses are
concerned, just feel like home”. [Sinto falta do cheiro dela, e de seu gosto. É um mistério da química humana e eu não compreendo, mas algumas pessoas, no que se refere aos seus sentidos, são como se sentir em casa. ] Concordo demais. O cheiro é uma viagem
muito subjetiva. Algumas vezes nos leva pra um lugar ótimo, outras é o tipo de
viagem que não faz falta, não... Tipo aquela ida à praia lotada, com falta d'água e trânsito péssimo.
A
coisa que mais adoro nos cheiros é como eles nos transportam pra épocas que
nossa memória nem sempre 100% se lembrava. Quantas vezes já não andei pela rua,
senti o aroma do feijão saído da panela de pressão e fiquei pensando no feijão
da minha mãe. Sou maluca por feijão. Talvez porque, mesmo com 30 anos nas
costas, meus pais ainda acham que é melhor eu não ter uma panela de pressão,
sob o risco de incendiar o prédio onde moro. Veja bem, moro longe deles desde
os 18, nunca queimei nada na cozinha, mas acho digno respeitar essa vontade
deles. (Parênteses necessários: troféu melhor filha do mundo vai para... ?).
Também
já quis fazer amizade e pedir um prato de comida na casa de pessoas
desconhecidas por conta do cheiro de bife acebolado e molho de tomate. Café,
então... Ainda vou invadir uma casa na esquina no meu caminho pra academia pra
tomar um gole de café. Que café cheiroso! E olha que amo meu café (é das poucas
coisas que sei fazer bem). Quando era criança, já fiz meu pai pedir um pedaço
de carne do churrasco do vizinho da minha avó. Por que a gente cresce, né? Ser
criança facilita esses momentos. Já coloquei meu pai e minha pai em cada
situação que deve ser por isso que respeito a vontade deles a respeito do item
panela de pressão. Só pode.
Quantos
perfumes já deixei de usar e passei pra frente porque me lembravam antigos
romances. Era passar um pouco e voltar à história automaticamente. A
sorte é que mamis está sempre pronta pra receber um perfume seminovo, carregado
nas recordações. Até hoje passo longe de vinagre por conta da minha boa memória
olfativa. Quando era criança, veio uma epidemia de piolho na escolinha que
frequentava. Eu chegava em casa e minha mãe lavava minha cabeça com vinagre.
Eu, sempre louca por banho, tive meu momento tudo-bem-ficar-sujinha, porque ô cheiro
do capeta! Me transformei numa pessoa que detesta vinagre, que tem ânsia quando sente o
cheiro e que faz cena quando, sem querer, come algo com o tempero. Nunca tive
piolho, é verdade. Mas talvez o cheiro do vinagre tenha afastado alguns
amiguinhos, além das pestes-sugadoras, claro. Minha mãe não passou açúcar em mim, preferiu vinagre, olha só...
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