VERONICA >> Fernanda Pinho


Há alguns meses decidi que a casa precisava de plantas. Não temos crianças nem animais de estimação. Seria interessante colocar aqui dentro alguma outra vida que não fosse as nossas próprias. Fomos ao mercado e adquirimos dois vasos. Eu escolhi uma linda, com folhas delicadas e minúsculas florezinhas brancas. Veronica.  Ele escolheu uma outra menos atrativa, com folhas maiores, sem flores. E sem nome. Quer dizer, algum nome ela deve ter, me parece que toda planta tem nome. Mas eu andava tão encantada por Veronica que nem dei trela pra outra, coitada.  Nem no ato da compra nem depois.

Sorte é que ela, a outra, é dessas espécies que não exigem tanta rega. É que desenvolvi muito afeto e dedicação pela Veronica, tratava de regar, podar, colocar ao sol nos horários mais apropriados – segundo consultei no Google. Mas para a outra, o que restava eram umas molhadinhas quando eu me lembrava.

O cuidado dispensado à Veronica e meu comportamento relapso em relação à outra, naturalmente, fizeram com que elas tivessem uma trajetória diferente. Mas não a óbvia. Enquanto a outra parecia estar cada vez maior, mais verde e com aparência mais saudável, Veronica começou a secar, perder algumas folhas e todas as flores.  Um amigo que veio nos visitar – e que por coincidência trabalha com flores – deu logo o diagnóstico. “Isso não é planta de apartamento. Esse é o problema”. Mas, peraí, tudo bem que vivemos num apartamento não muito grande. Mas tem varanda, ar pra respirar, sol, água, carinho, afeto, bate-papo. Pois é, eu até falava com Veronica. Dizem que isso faz bem pras plantas, não faz? O que eu deixei faltar? Onde foi que eu errei?

Não aceitei o veredicto do amigo como o fim de tudo e passei os dias seguintes dedicando atenção redobrada. Para piorar, tínhamos uma viagem marcada e seria preciso deixar Veronica com alguém. Mas com quem? Depois de muita confabulação, ficou decidido que ela ficaria no jardim do prédio, junto com as outras tantas plantas, que recebem os cuidados de um jardineiro. A outra? Bom, a outra ia ficar em casa mesmo, já que podia resistir alguns dias sem água.

Ao voltar de viagem, a primeira coisa que quis saber é como estava Veronica. Passei pelo jardim e quase não a reconheci. O desbotado de nosso último encontro simplesmente havia desaparecido. Novas flores nasceram e eram ainda mais vivas que as primeiras que eu havia admirado. As folhas eram de um verde-alegria indiscutível.

Subi planejando encontrar um novo lugar para ela. Afinal, estava tão linda que merecia um destaque na minha sala. Não pude deixar de verificar que a outra, conforme esperado, seguia firme e forte. Decidi muda-la de lugar também. Mas o mais importante era decidir onde eu colocaria Veronica depois que eu a tirasse do jardim. Depois que eu a tirasse do jardim. De repente, a ideia me pareceu sombria e egoísta demais. Por que eu a tiraria de onde ela crescia feliz e saudável? Para torná-la um adorno morto na minha sala? Para ratificar minha condição humana de querer sempre ao nosso lado tudo o que amamos, seja em quais condições forem? Não, definitivamente não. Felizmente eu estava particularmente lúcida naqueles dias e decidi deixá-la no jardim.

Para mim, ficou a outra, a quem acabei me afeiçoando depois, e a lição do desapego. Que, eu espero um dia, saber aplicar também para pessoas, e não somente para plantas. 

Comentários

Unknown disse…
Fiquei emocionada com seu texto, Fernanda!
Sem dúvida, a lição do desapego é uma das mais difíceis de se aprender...
É difícil não querer perto da gente, a todo custo, aqueles que mais amamos, né?
Passei por isso quando vi minha mãe muito doente, convalescendo, sem qualquer chance de cura. O sofrimento dela era tão grande que deixei de pedir a Deus que a mantivesse perto de mim por mais tempo. Houve um momento em que foi preciso libertá-la, deixar que ela fosse, serena e tranquila, para um outro plano. Sei que lá o espírito dela está bem, sem as dores e percalços que a doença lhe causou.
Grande abraço!
Parabéns (e obrigada) pelo belo texto!
Veronica precisava de amigos. :) Belo texto!
Zoraya disse…
Fernanda, belíssimo texto, cheio de possíveis desdobramentos, liçoes sutis (é preciso escrever bem, para partir de um fato aparentemente banal e aprofundá-lo), sem falar da forma (verde-alegria foi lindo). Obrigada por uma crônica tão especial.
André Ferrer disse…
O desapego surge com as últimas cinzeladas na pedra bruta humana. Um nobre valor. Belo texto Fernanda!

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