LIVRO, MÚSICA E GIRASSOL >> Fernanda Pinho
Eu estava num voo para Recife, há quatro ou cinco anos. Do meu lado, viajava uma estrangeira, fato que eu deduzi pelas suas feições e ratifiquei ao vê-la se arriscando num português arranhado com a comissária. Eu viajava lendo um livro e ela também. Lá pelas tantas do voo, notei que ela terminou a leitura e, então, deixou o livro no bolsão do banco da frente. Autorizado o desembarque, percebi que a moça se foi deixando o livro para trás. Me apressei em chama-la para lhe entregar o livro, ao que ela, sorridente, me explicou que já havia terminado e, portanto, preferia deixar para que outra pessoa pudesse ler também. Quase fiquei com vergonha por não estar fazendo o mesmo com meu livro (e principalmente por ser tão possessiva com todos os outros que tenho).
Numa
dessas tardes bobas, saí para comprar alguma coisa e me deparei com um trânsito
monstro que começava bem na porta da minha casa. Menos mal que eu estava a pé.
Cruzei a rua entre os carros, que já emitiam buzinas irritadas. Eu também
andava irritada, com o ruído, com o frio. Já era novembro e ainda fazia frio.
Também andava com pressa. Nesse dia era sem motivo. Sempre ando com pressa. Com
motivo ou não. Ao alcançar a calçada, quase me choco com um menino, não mais
que 16 anos, que caminhava alheio à confusão (ou, de repente, muito ciente
dela). Caminhava e tocava flauta. E me tocou também. Achei aquela surpresa tão
doce, que o segui, como um desenho animado que flutua pelo cheiro de uma boa
comida. Para minha sorte, a melodia gostosa me acompanhou até a porta do
supermercado para onde eu caminhava.
Depois
de ter ganhado alguns girassóis da minha sogra, coloquei uma foto deles no meu
Facebook. Nessa brincadeira, descobri que girassol era a flor favorita de uma
pessoa muito querida que, para honra de todos nós, também escreve aqui no
Crônica do Dia. Por ocasião da minha postagem, ela me contou que adorava mandar
girassóis às pessoas queridas mas que, certa vez, enviou as flores para o
atendente da locadora que ela frequentava – e a quem conhecia apenas de vista –
simplesmente porque o notou triste. Mandou anonimamente, apenas para melhorar
seu ânimo. Tenho certeza que fez um carinho enorme na alma do rapaz.
Peguei
essas três passagens para carregar comigo neste ano de 2013. Não fiz lista de
metas nem qualquer tipo de promessas. Mas se eu puder, na maior parte do tempo,
distribuir livros em vez de más respostas, música em vez de má vontade, e
girassóis em vez de mau humor, já me darei por satisfeita. Como desejo, eu
poderia dizer que também espero me encontrar apenas com pessoas capazes de
entregar livros, músicas e girassóis, mas já entendi que isso não é questão de
sorte. É questão de ação-reação. Faço a minha parte que o universo se encarrega
do resto. E o resto, vocês já sabem como funciona: gentileza, que gera
gentileza e mais uma porção de coisas boas...
(Na falta
de um bom livro à mão, diante da inabilidade para fazer música, ou caso não
seja primavera, outros tipos de doçuras estão permitidas).
Comentários
Começar o ano lendo algo assim faz um bem enorme.