O DONO DA BOLA >> Eduardo Loureiro Jr.
Estou me sentindo o "dono da bola". E para que o leitor — e principalmente a leitora distante do mundo futebolístico — não pense que estou me pavoneando, explico o sentido da expressão àqueles que são alheios às peladas de rua, às partidas de futebol da infância, disputadas em ruas sem asfalto ou calçamento, terrenos irregulares de terra batida.
"Dono da bola" é aquele menino que chega ao campinho improvisado com o mundo debaixo do braço. O jogo, no final de tarde, não começa sem ela — a bola — nem sem ele — o dono da bola. As traves, de cada lado do campinho, são feitas de qualquer coisa: pau, pedra, tijolo. As linhas são traçadas por qualquer pé descalço ou por uma chinela de borracha. Mas a bola não se improvisa. Se o menino é o dono da bola, a bola é a dona do jogo.
O dono, normalmente, tem como único talento a própria bola. Por ironia do destino — ou mesmo por sua inerente lógica — aquele que possui a matéria é desprovido de energia. O dono da bola só tem à bola, e mais nada. Não tem força, não tem velocidade, não tem ginga. Não fosse dono da bola, nem jogaria, ficaria no "time de fora". Mas ele é o dono da bola, é o proprietário do meio de produção da alegria, então a ele é concedida pelo laborioso proletariado a permissão de jogar — mesmo que o menino não saiba jogar direito.
Uma vez começado o jogo, os demais meninos devem controlar não apenas a bola — arisca em meio ao terreno não plano —, mas também o humor do menino que não sabe jogar. Há que se driblar as insatisfações do dono da bola, que fica minutos sem recebê-la porque não sabe o que fazer dela com os pés. Se o jogo é com goleiro, há que se convencer o dono da bola, com muita diplomacia, que ele deve ficar no gol. Se o jogo é de travinha, e não há goleiro, passa-se a bola para o seu dono de vez em quando, como quem paga um amargo imposto, inútil porque não se traduzirá em nenhuma obra social. Todo esse cuidado porque o dono da bola costuma ser um menino facilmente irritável que, se constantemente aborrecido, pode pegar o mundo, colocá-no novamente embaixo do braço e sair de cena, terminando o jogo antes do tempo, ocasionando um temido apocalipse.
Não pense o leitor — e principalmente a leitora — que o dono da bola é um tirano. Talvez até seja, mas é um tirano sofrido, que sabe da sua situação, de sua posição de inferioridade em relação aos jogadores de verdade, aqueles que fazem embaixadinha, dão banho de cuia, aplicam o drible da vaca e fazem os gols. No fundo, quando o jogo fica realmente bom, o dono da bola tem vontade de deixar o campo e assumir a função de gandula, ou até mesmo de sair simulando uma contusão, mas deixando todo mundo tranquilo: "Vocês ficam com a bola e deixam lá em casa quando terminar o jogo".
Pois é assim que estou me sentindo. Sentimento trazido à tona pela leitura do livro encantador "As coisas simpáticas da vida", que me foi presenteado por seu autor, Felipe Peixoto Braga Netto, que já escreveu para o Crônica do Dia e que é um dos cronistas do livro ACABA NÃO, MUNDO, que foi lançado ontem aqui em Belo Horizonte. O livro ACABA NÃO, MUNDO — e este site/blog de onde as crônicas foram selecionadas — é a bola do qual sou uma espécie de dono. As mineiras Paula Pimenta e Fernanda Pinho são, assim como o Felipe, os jogadores de verdade. Eles são os escritores, aqueles que produzem maravilhas com as palavras, aqueles que terão seus livros individuais figurando nas estantes da eternidade.
Escritores também são aqueles que me aguardam em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Fortaleza, para os próximos lançamentos. Chegarei em cada cidade com a bola, o mundo, o livro embaixo do braço. Jogarei nos lançamentos com a complacência dos autores bons de bola, e depois, após 17 de novembro, colocarei o mundo, a bola, o blog embaixo do braço e voltarei para casa, imaginando o que fazer para, no próximo jogo, ser mais do que simplesmente o dono da bola.
"Dono da bola" é aquele menino que chega ao campinho improvisado com o mundo debaixo do braço. O jogo, no final de tarde, não começa sem ela — a bola — nem sem ele — o dono da bola. As traves, de cada lado do campinho, são feitas de qualquer coisa: pau, pedra, tijolo. As linhas são traçadas por qualquer pé descalço ou por uma chinela de borracha. Mas a bola não se improvisa. Se o menino é o dono da bola, a bola é a dona do jogo.
O dono, normalmente, tem como único talento a própria bola. Por ironia do destino — ou mesmo por sua inerente lógica — aquele que possui a matéria é desprovido de energia. O dono da bola só tem à bola, e mais nada. Não tem força, não tem velocidade, não tem ginga. Não fosse dono da bola, nem jogaria, ficaria no "time de fora". Mas ele é o dono da bola, é o proprietário do meio de produção da alegria, então a ele é concedida pelo laborioso proletariado a permissão de jogar — mesmo que o menino não saiba jogar direito.
Uma vez começado o jogo, os demais meninos devem controlar não apenas a bola — arisca em meio ao terreno não plano —, mas também o humor do menino que não sabe jogar. Há que se driblar as insatisfações do dono da bola, que fica minutos sem recebê-la porque não sabe o que fazer dela com os pés. Se o jogo é com goleiro, há que se convencer o dono da bola, com muita diplomacia, que ele deve ficar no gol. Se o jogo é de travinha, e não há goleiro, passa-se a bola para o seu dono de vez em quando, como quem paga um amargo imposto, inútil porque não se traduzirá em nenhuma obra social. Todo esse cuidado porque o dono da bola costuma ser um menino facilmente irritável que, se constantemente aborrecido, pode pegar o mundo, colocá-no novamente embaixo do braço e sair de cena, terminando o jogo antes do tempo, ocasionando um temido apocalipse.
Não pense o leitor — e principalmente a leitora — que o dono da bola é um tirano. Talvez até seja, mas é um tirano sofrido, que sabe da sua situação, de sua posição de inferioridade em relação aos jogadores de verdade, aqueles que fazem embaixadinha, dão banho de cuia, aplicam o drible da vaca e fazem os gols. No fundo, quando o jogo fica realmente bom, o dono da bola tem vontade de deixar o campo e assumir a função de gandula, ou até mesmo de sair simulando uma contusão, mas deixando todo mundo tranquilo: "Vocês ficam com a bola e deixam lá em casa quando terminar o jogo".
Pois é assim que estou me sentindo. Sentimento trazido à tona pela leitura do livro encantador "As coisas simpáticas da vida", que me foi presenteado por seu autor, Felipe Peixoto Braga Netto, que já escreveu para o Crônica do Dia e que é um dos cronistas do livro ACABA NÃO, MUNDO, que foi lançado ontem aqui em Belo Horizonte. O livro ACABA NÃO, MUNDO — e este site/blog de onde as crônicas foram selecionadas — é a bola do qual sou uma espécie de dono. As mineiras Paula Pimenta e Fernanda Pinho são, assim como o Felipe, os jogadores de verdade. Eles são os escritores, aqueles que produzem maravilhas com as palavras, aqueles que terão seus livros individuais figurando nas estantes da eternidade.
Paula, Felipe, Eduardo e Fernanda |
Comentários
Bjos!
Ontem meu dia acabou meio incompleto. Sabe por quê? Porque desde que cheguei em casa, do lançamento, fiquei pensando assim: "Vou escrever para o Eduardo, vou escrever para o Eduardo", e acabei não escrevendo. E não era para nada, era só para agradecer e dizer que achei bonita, tocante, rara, a nossa festinha, o nosso dia. Tudo foi permeado de muito carinho, acho que todos nós saímos de lá sentindo um pouco isso.
E agora acordo com essa, rs... Que crônica bonita! Meu amigo, saiba que você nunca será (só) o dono da bola. Podíamos fazer uma música assim: "Ah, se todos donos de bola fossem iguais a você. Ah, que maravilha, viver...". Rs.. . Não foi aquele poeta inglês, aquele tal de Auden, que escreveu que o tempo é intolerante com quase todo mundo, mas adora a linguagem e perdoa todos os que vivem dela. Bonito né?
Fico honestamente feliz que você esteja gostando do livrinho.
Um abraço, amigo, e obrigado.
Felipe (ah, hoje me vinguei de você e acordei quase meio dia. Esse e-mail é a primeira coisa que faço, acompanhado de um café negro e quentíssimo, rs...).
Existem "donos" e "Donos" da bola. Ao primeiro cabem as vaidades e ao Outro, a satisfação de saber que, com sua bola, formou uma equipe que sabe jogar e que sonha com resultados. Para mim, você é sempre será o Dono da bola!
Parabéns!!
Como bem escreveu a Debora Bottcher na crônica de ontem: "...lançar um livro não é fácil... o processo exige grande dose de paciência e diplomacia, porque é como pisar em ovos - e não se faz uma omelete sem quebrá-los, diz o ditado..." admiro demais a sua
coragem de idealizar/conduzir/participar de projetos coletivos e desejo que você continue crescendo em paciência, diplomacia e na arte de relacionar-se.
Parabéns a todos os autores.
Tia Monca
Esse jogo vai ser 5x0. E o primeiro gol já foi um golaço!
Grande abraço pernambucanadense!
O dono desta crônica, é o cara. Por que beseando-me nela, eu fiz um exercício da minha escola e saí do sufoco.