SANTO DE CASA >> Albir José Inácio da Silva
Nem bem soou o apito final e Jorge estava no bar com suas certezas e premonições. Jactava-se de não perder nem mesmo para Paul, o polvo sensitivo. Antecipava resultados impensáveis até para os grandes comentaristas. No jogo do Brasil, por exemplo, “vocês acham que aquele um a zero me enganou? Desde o início eu sabia que a Holanda ia ganhar!”. Estava realmente convencido de seus poderes divinatórios.
Os amigos mostravam paciência com aquela arrogância. Agora ele predizia mais que futebol. Adivinhava divórcios no dia mesmo dos casamentos, previa empregos para quem não os queria e demissões para trabalhadores estáveis. Confirmou até uma infidelidade que já se sabia, mas ninguém tinha coragem de falar, e, fora o marido, ninguém se indignou. Mas por que tanta indulgência com o falador?
A história começou há alguns meses. Vivendo com Celina fazia já três anos, tudo o que Jorge queria era um herdeiro. Mas não tinha simpatia, novena, despacho ou corrente de oração que fizesse crescer a barriga da mulher. Jorge foi compreensivo. Entendia o problema dela, e hoje em dia tudo tinha jeito. Que ela fosse procurar o médico, ele pagava exames, tratamentos, cirurgias, o que fosse preciso. Não precisava ficar triste. Muitas mulheres tinham essa dificuldade, mas felizmente hoje a medicina fazia milagres.
Celina foi ao médico, aos laboratórios, aos psicólogos e nada. Não tinha problema nenhum.
- Que o seu marido venha me procurar – disse o médico.
Para Jorge ela disse apenas que os exames foram normais, que não havia nada de errado com ela. Não queria magoá-lo.
– Um homem tão bom – disse Celina à vizinha, sem saber o que fazer.
Uma vizinha contou a outra e a história chegou ao bar, trazendo solidariedade e paciência. Paciência para ouvir a voz roufenha, que anunciava o futuro com uma certeza irritante e, às vezes, inconveniente. Pode ser que guardassem boas gargalhadas para depois, mas eram piedosos naquele momento.
Como agora, que ele acabava de anunciar que seria pai de gêmeos.
- Mas já fez exame, Jorge?
- E precisa? Esqueceu das minhas previsões? Tão certo como a Espanha ia ganhar esse jogo. Eu não erro. Além disso a mulher andou me dando umas dicas. Mesmo sem querer estragar a surpresa, acabou me confirmando. Pediu pra limpar um quarto que estava cheio de bagulho. Disse que, se chegasse alguém, não teria onde dormir. Encostei tudo num canto e abri espaço pra cama. Mas ela, disfarçando, perguntou: “e se fossem duas pessoas?”. Chegasse alguém, duas pessoas, entenderam? Eu que já sabia, tive certeza que eram gêmeos. Aposto que a próxima coisa que vai pedir é pra comprar os berços. Alguém aqui já me viu errar alguma previsão?
Jorge ouviu as felicitações com humildade. Ia, sim, ser pai de gêmeos e tinha, sim, poderes de saber o futuro. Mas isso acontecia às pessoas boas. Era coisa de merecimento. Ia para casa, agora, que sua patroa precisava de cuidados.
Da esquina enxergou a Kombi parada e o cunhado que desceu carregado de malas e trouxas. A sogra surgiu sob sua forma predileta - um grito que fechou a boca de espanto do adivinho:
- Jorge, pega meu colchão na Kombi que eu só consigo dormir com ele.
Os amigos mostravam paciência com aquela arrogância. Agora ele predizia mais que futebol. Adivinhava divórcios no dia mesmo dos casamentos, previa empregos para quem não os queria e demissões para trabalhadores estáveis. Confirmou até uma infidelidade que já se sabia, mas ninguém tinha coragem de falar, e, fora o marido, ninguém se indignou. Mas por que tanta indulgência com o falador?
A história começou há alguns meses. Vivendo com Celina fazia já três anos, tudo o que Jorge queria era um herdeiro. Mas não tinha simpatia, novena, despacho ou corrente de oração que fizesse crescer a barriga da mulher. Jorge foi compreensivo. Entendia o problema dela, e hoje em dia tudo tinha jeito. Que ela fosse procurar o médico, ele pagava exames, tratamentos, cirurgias, o que fosse preciso. Não precisava ficar triste. Muitas mulheres tinham essa dificuldade, mas felizmente hoje a medicina fazia milagres.
Celina foi ao médico, aos laboratórios, aos psicólogos e nada. Não tinha problema nenhum.
- Que o seu marido venha me procurar – disse o médico.
Para Jorge ela disse apenas que os exames foram normais, que não havia nada de errado com ela. Não queria magoá-lo.
– Um homem tão bom – disse Celina à vizinha, sem saber o que fazer.
Uma vizinha contou a outra e a história chegou ao bar, trazendo solidariedade e paciência. Paciência para ouvir a voz roufenha, que anunciava o futuro com uma certeza irritante e, às vezes, inconveniente. Pode ser que guardassem boas gargalhadas para depois, mas eram piedosos naquele momento.
Como agora, que ele acabava de anunciar que seria pai de gêmeos.
- Mas já fez exame, Jorge?
- E precisa? Esqueceu das minhas previsões? Tão certo como a Espanha ia ganhar esse jogo. Eu não erro. Além disso a mulher andou me dando umas dicas. Mesmo sem querer estragar a surpresa, acabou me confirmando. Pediu pra limpar um quarto que estava cheio de bagulho. Disse que, se chegasse alguém, não teria onde dormir. Encostei tudo num canto e abri espaço pra cama. Mas ela, disfarçando, perguntou: “e se fossem duas pessoas?”. Chegasse alguém, duas pessoas, entenderam? Eu que já sabia, tive certeza que eram gêmeos. Aposto que a próxima coisa que vai pedir é pra comprar os berços. Alguém aqui já me viu errar alguma previsão?
Jorge ouviu as felicitações com humildade. Ia, sim, ser pai de gêmeos e tinha, sim, poderes de saber o futuro. Mas isso acontecia às pessoas boas. Era coisa de merecimento. Ia para casa, agora, que sua patroa precisava de cuidados.
Da esquina enxergou a Kombi parada e o cunhado que desceu carregado de malas e trouxas. A sogra surgiu sob sua forma predileta - um grito que fechou a boca de espanto do adivinho:
- Jorge, pega meu colchão na Kombi que eu só consigo dormir com ele.
Comentários
Delícia de texto.
Abraços!
Em 2014 não teremos Paul, mas teremos copa e Jorges.