ONDE ENCONTRAR A POESIA >> Carla Dias >>

Às vezes eu me perco na poesia alheia... Modéstia minha: eu o faço com frequência, uma frequência atinada pela curiosidade sobre como bate o coração do outro.

Como bate o seu?

Em qual desfecho, compasso, taquicardia?

Na poesia, os opostos não se atraem, se completam, e quase sempre, não se dão conta disso. Talvez aí more a beleza dela.

E a poesia que se esconde no cotidiano? Como a da cena do menino atravessando a rua, agarrado de um jeito no braço da mãe, engolindo um medo virado, desespero cravado no olhar. Não sei se ele teme perder a mãe ou se ser atingido por um carro... Seja como for, essa poesia é dolente, mas só até chegar ao outro lado, pés na calçada, o moleque respira tão aliviado, abraçando as pernas da mãe que lhe beija a cabeça.

A poesia que nos faz manter os olhos no outro, observando seus gestos, ouvindo atentamente as palavras que saem de sua boca, aprendendo com a experiência dele, transformando-o em guia, dando-lhe permissão para cortejar a nossa alma.

Mas há quem encontre poesia onde a maioria jamais encontraria sequer interesse, nos desmandos, no descaso. E desse cenário caótico, como diria o poeta-músico-poeta, “flores crescem no asfalto, debaixo dos meus pés”.

A poesia do SMS extraviado pela falta de saldo no pré-pago, que chega ao destinatário dias depois do envio, e cai tão melhor no momento do que caberia antes. É como se uma divindade tecnológica tivesse mexido os pauzinhos, melhor, os fiozinhos e chips e conexões, e esse monte de coisinhas que nem todos entendem muito bem, mas das quais abusam até.

A poesia da ausência é a tecelã dos mistérios. Sobre a densidade do sentimento ela se deita de tão farta das banalidades, ansiosa pelos lamentos e pelo frenesi da felicidade. É uma poesia extravagantemente bipolar, das que se apaixonam pelas imperfeições.

Perco-me na poesia da canção: “Would like to dance around the world with me?”, sim, eu quero! Vamos? Um, dois, três e quatro, dois pra lá, dois pra cá, dois sorrisos miúdos encontrando duas gargalhadas histéricas. “I remember thinking/Sometimes we walk/Sometimes we run away”, e estaco os pés nesse solo de contradições, embaraçando-me nos cabelos da fuga. Ainda assim, “I’ll back you up”.


I'll back you up - Dave Matthews Band



Comentários

Unknown disse…
Meu coração hoje bate em várias frequencias. Cada pedaço dele anda num ritmo. Meu dia hoje tá com cara de poesia de Florbela Espanca.
Bjos!
Carla Dias disse…
Fernanda... Corações assim, ocupados com a miscelânea de ritmos, sempre acabam em poemas de Florbela Espanca :)
Carla, o cotidiano é um mar de poesia. E suas crônicas de quarta-feira são as ondas desse mar. :)
albir disse…
E eu me perco e me acho na poesia de suas crônicas, Carla.
Carla Dias disse…
Eduardo... Sabe que adorei crônicas como ondas de um mar de poesia? Obrigada : )

Albir... Sinta-se bem-vindo para se perder e se achar nas minhas crônicas sempre que quiser.

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