Pulos, Barbies e nostalgia >>> NÁDIA COLDEBELLA


Minhas filhas estão em distanciamento social já faz um bom tempo. Sentem falta dos colegas, da escola e da vida normal. Sentem falta da correria, do movimento, dos abraços, dos gritos e empurrões das brincadeiras, da balburdia da sala de aula.

- Mãe, lembra quando eu ia para a aula? - diz minha filha menor, na hora de dormir - Eu gostava muito de brincar de pular corda. Vamos brincar?

- Errr... - Como saio disso? Minha inaptidão esportiva me segue a vida inteira, da caminhada ao jogo de volei. Se envolve pulos, a coisa é muito séria. Mas mãe tem que dar exemplo, ainda mais na pandemia.

- Tamo junta, filha, mas podemos fazer isso amanhã? - Eu ou ela vai esquecer, uma baita estratégia manipuladora e desumana inventada por uma mãe em puro desespero com a possibilidade de pulos miquentos. Uma mãe inapta que não quer se expor. Quem disse que os fins não justificam os meios?

Recolho-me, envergonhada, na minha insignificância, e vou até o quarto da minha filha de doze anos. Lá o assunto é outro, caminha pelos passos dramáticos do inicio da adolescência.

- Mãe, lembra da fulana, que estuda comigo? Porque ela não gosta de mim, mãe, porque ela disse aquilo? - se referia a uma palavra grosseira que a guriazinha tinha dito em um momento de mau humor.
- Amor, faz seis meses que ela disse aquilo. Já foi.
- Mas eu tô lembrando agora, mãe.  O que eu faço mãe? - Mãe, mãe, mãe. Aqui, muitos choros e ranger de dentes.
- Amanhã você faz uma live. - Essa palavra entrou recentemente no meu vocabulário de forma pouco sutil, praticamente como um elefante pisando em ovos, porque minha realidade no trabalho  assim exige. E na realidade das minhas filhas, do meu esposo, enfim.  Live é o que há, é a onda do momento.

Ela fez a tal da live - vídeo conferencia, como corrigiu minha filha menor - no dia seguinte. Participavam umas três ou quatro meninas da idade dela. Animadamente, falavam ao mesmo tempo e expunham suas opiniões em voz bem alta, de forma tão contundente e espontânea que em algum momento cogitei que estivessem escondidas sob a cama, desafiando as regras do distanciamento social.

Mas não lavaram roupas sujas. Minha filha ainda é  - graças a Deus -  louca por princesas da Disney e por Barbie. Não que eu apoie as princesas da Disney, muitos sabem minha opinião sobre a tonta da Branca de Neve e a deslumbrada da Cinderela. Mas minha filha ama a Elsa, e como ela diz, livre estou, e em tempo de pandemia, se há de ter conversas, não é? Elas discutiam sobre a mudança das dubladoras, sobre as mudanças nas animações e, especialmente sobre as mudanças na Barbie.

- Sabem, eu sinto saudade do tempo em que a Barbie era diferente - disse minha filha. - Tinha outra dubladora, que era a alma da Barbie. Essa não tem nada haver. Eu gostava da Barbie antiga, queria ela de volta.

Eu, que escutava tudo furtivamente, entendi o óbvio que já sabia e que supunha que todos soubessem.

Mudar é difícil. Mudar dói. Quando o novo chega, comparamos com o velho. Mesmo o novo sendo melhor, lembrar o velho nos enche de nostalgia.

Minha filha de doze anos já sente nostalgia. Minha filha de dez anos também. O que será delas quando chegarem a minha idade?

Ainda mais agora.

Termino este breve texto com duas certezas.
A primeira é que envelheço.
A segunda é que preciso aprender a pular e a conhecer um pouco mais de Barbie.







Comentários

Clara Braga disse…
Nádia, aqui em casa o esporte da vez é com bola. Meu filho de 2 anos chuta melhor que eu e toda vez que eu começo a brincar com ele, ele pede pro pai trocar comigo pq eu não consigo chutar no pé dele!!
Anônimo disse…
Amei o texto, parabéns novamente Nádia.
Albir disse…
A nostalgia é consoladora nestes tempos sombrios, Nádia. Mesmo quando nos lembra do envelhecimento. Lindo texto.
Zoraya Cesar disse…
Delícia Delicada é o subtítulo dessa crônica maravilhosa!

A gente acompanha vc nessa gangorra de inseguranças, tempo q corre e barbies q se vão. let it go!

Essa foi muito linda e veludosa mesmo.

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