BEM VINDO À SELVA >> Clara Braga

Olhando da janela dava para dizer que era um dia como outro qualquer. A chuva havia dado trégua e amenizado o calor, o que deixava o clima muito agradável para um belo passeio de carrinho. Decidimos ir até um café que fica a menos de 2km de distância de casa, tomaríamos um café e voltaríamos, cumprindo tanto nossa cota diária de cafeína quanto a cota diária de vitamina D do nosso filhote.

Tudo ia bem quando menos de 500 metros depois eu ouvi um latido desesperado de um cachorro. Queria não acreditar, mas quanto mais rápido eu empurrava o carrinho mais próximo parecia o latido. Tomei coragem e olhei para trás apenas para chegar à conclusão esperada: um cachorro corria em nossa direção enquanto seu dono olhava tudo de longe e ria alegremente ao telefone. Para nossa sorte o cachorro estava em paz e se contentou em apenas cheirar nossos pés sem se aproximar do carrinho, que nesse momento já estava com a frente toda levantada caso o cachorro tentasse pular.

Quando estava quase recuperada do susto, observei que a rua na qual andávamos estava suja, um tanto grudenta. Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, meu marido comentou: caramba, olha a quantidade de jaca que caiu dessas árvores e a quantidade de jacas lindas e enormes que estão fazendo sombras refrescantes em nossa caminhada prontinhas para caírem em nossas cabeças! Andamos o mais rápido possível para fugir de um verdadeiro campo minado aéreo, mas não tão rápido a ponto de assustar o cachorro e ter que correr dele novamente, afinal, seu dono ainda estava ao telefone apenas observando tudo de longe.

Ao nos livrarmos do cachorro e das jacas, vi que o chão mais a frente também estava grudento, mas dessa vez dava para perceber claramente que eram mangas. Olhamos para as árvores e a situação não pareceu tão grave, as mangas já estavam no chão, que desperdício! Opá, parece que o desperdício não foi tão grande assim, muitas abelhas faziam a festa em cima de toda aquela manga, por pouco não passamos com o carrinho acidentalmente por cima delas e elas propositalmente por cima da gente.

Desviamos o caminho e, finalmente, chegamos ao café! Ufa, tomar um café nunca foi tão difícil. Mas é melhor não contar vantagem, ainda temos que voltar. E como não podia ser diferente, passamos quase sem respirar por um pitbull fora da coleira observando seu dono fazer flexões, nos assustamos com morcegos que voaram muito mais perto do que o necessário e, já no elevador, quando achamos que estávamos bem, lutamos contra bichinhos de luz que atacavam o carrinho. Quando entramos em nosso quarto estávamos realmente acabados e entendendo todos os pais que não se sentem seguros em passeios de carrinho.

Enquanto ríamos da situação vimos o bebê mais lindo do mundo olhar para a gente e também abrir um sorriso, como se entendesse o que estava sendo dito. O detalhe é que seu sorriso era sonolento, pois acabara de acordar de um passeio que nem sabe que fez de tanto que dormiu, por enquanto é melhor assim.

O pior é saber que esse passeio que mais pareceu fases de um vídeo game foi só uma amostra grátis, quase uma parábola, do que vai ser a vida daqui para frente: ele desbravando o mundo enquanto a gente observa, apoia e morre do coração. A parte cardíaca está em dia, mas para você meu filho, só tenho uma coisa a dizer: bem vindo à selva!



Esse texto faz parte do projeto Crônica de Um Ontem e foi publicado originalmente no dia 06 de fevereiro de 2018.

Comentários

Zoraya Cesar disse…
Muitíssimo engraçado e bem descrito Clara!
Albir disse…
E agora acrescentamos uma pandemia à nossa selva. Muito bom!

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