UMA AVENTURA DE NATAL DO VELHO PADRE >> Zoraya Cesar

Pleno verão de 40°C. As ruas estavam tão movimentadas e repletas que era impossível andar sem empurrar, pisar ou acotovelar alguém. O nível de irritação parecia prestes a explodir numa grande comoção dramática e violenta. Era entrar e sair de lojas, comparar preços, comprar os últimos itens para a ceia, presentes, roupas, tudo, qualquer coisa. Todos cumprindo seus afazeres com olhos vidrados, boca apertada, punhos fechados.

Na contramão de toda essa correria e nervosismo, um homem caminhava calmamente, olhando as gentes sem julgá-las, compadecendo-se apenas, sabendo que todas tinham uma necessidade a ser suprida, uma dificuldade a ser superada, uma dor a ser consolada. Ele, porém, continuava seu caminho, naquela azáfama toda, sem que nada o importunasse; parecia que dele emanava algo como um campo energético, que o protegia da confusão reinante.

E, talvez, por, inconscientemente, perceberem isso, algumas pessoas o paravam, de vez em quando, a pedir uma bênção, um conselho,  uma conversa, um algo que fosse. Aproximar-se dele era ter, por aqueles instantes, um pouco de paz.

Sempre fora assim com o Velho Padre. As pessoas achegavam-se instintivamente atraídas pela bondade, alegria, amor que dele irradiavam. O encantamento era duradouro, pois ele tinha amigos espalhados pelo mundo, alguns bem inusitados. Pois estava o Velho Padre percorrendo sem pressa os 20 quilômetros que o levariam à casa do irmão, onde passaria o Natal. Levava consigo uma imagem de São José, entalhada em madeira, para completar o presépio, a pedido da cunhada, devota fervorosa do santo. Ele também gostava muito de São José, com quem compartilhava o gosto pela carpintaria, o amor por Nossa Senhora e a adoração ao Menino. Estava feliz. Para ele, essa era a data mais especial do ano - mais até, que o Senhor o perdoasse, que a Páscoa (o Grande Pai, porém, tinha o Velho Padre em grande conta, nem se importava com suas esquisitices).  

A tarde já ia pelo meio quando o Velho Padre sentiu-se um tanto cansado e faminto. Entrou em um bar, pediu café e sanduíche. Sentada à sua frente, do outro lado do balcão, uma senhora ossuda e ressabiada comia um salgado enquanto encarava, disfarçadamente, o último pedaço de bolo já meio despedaçado, debaixo de uma redoma de plástico bastante arranhada e gasta. Para o Velho Padre, aquela senhora e o bolo pareciam-se um com o outro: sozinhos, alquebrados e cobertos por um recipiente desgastado.

Ao terminar de comer, incluiu o bolo em sua conta e pediu ao atendente que o entregasse à mulher, junto com a imagem de São José. Intuíra o Velho Padre, mais uma vez, com razão, que aquela senhora não podia pagar pelo bolo e que precisava, muito, de um milagre. Depois ele se entenderia com a cunhada. Saiu.

Saiu e não viu o espanto da mulher, nem seu contentamento em comer o bolo, nem a prece que ela fez ao Santo, padroeiro dos trabalhadores. Não viu, também o milagre acontecer assim que a mulher terminou a oração: seu filho ligou, gritando de felicidade, pois fora chamado para trabalhar, ele que estava desempregado e desesperado. O Natal estava salvo. A mulher pegou São José  (que bonita era a escultura, parecia viva!) com suas mãos calosas, mas gentis, e agradeceu-lhe fervorosamente, sem esquecer de pedir pelo homem misterioso.

O homem em questão já estava longe, andando com seu passinho miúdo e cadenciado, fazendo, sempre que a oportunidade aparecia, uma bondade, uma gentileza, compadecendo-se pelo sofrimento que pressentia em algumas almas, comprazendo-se com a alegria que percebia em outras.

E de tanto fazer um desvio aqui, parar ali, ajudar acolá, conversar com quem se aproximava, acabou que a noite caiu sem que ele chegasse ao seu destino. Pior, estava perdido. Perdido e sem celular – que esquecera na igreja. Não havia vivalma por perto, todos se recolhendo às pressas, para passar o Natal em suas casas. A rua estava mal iluminada e, no escuro, ele enxergava mal (ah, os achaques da velhice, pensou, sem reclamar). Não fazia ideia de onde estava ou de como sair dali. Andou mais um pouco, até chegar em uma encruzilhada de ruas das quais nunca ouvira falar. Cansado, mal enxergando e sem saber o que fazer, esperou.

Não fosse ele o Velho Padre, homem de fé, acostumado ao extraordinário, teria ficado preocupado. Medo e estranhamento, no entanto, há muitos anos não faziam parte de sua vida.

Por isso não se assustou quando, do nada, surgiu, gingando em sua direção, um homem amulatado e esbelto, elegantemente vestido de terno e camisa imaculadamente brancos, e uma vistosa, quase luxuriante, gravata vermelha. Ele foi se aproximando, e, sorrindo, perguntou:

- Está perdido, meu bom? Quer ajuda?

O Velho Padre sorriu de volta, sabendo muito bem de quem se tratava. Os caminhos do Senhor são realmente estranhos, pensou.

Conversando amigavelmente, os dois saíram do emaranhado de ruas até perto da avenida principal. De lá, o Velho Padre poderia ir sozinho. Ele abençoou a exótica criatura, que, ajoelhando-se, beijou-lhe a mão e, antes de sumir na escuridão, agradeceu-lhe pela chance de ser útil a quem tanto fizera pelos outros naquele dia. 

São José, milagreiro que só,
 chegou a tempo de participar do Presépio
 e brincar com Menino Jesus
Sentado em sua poltrona preferida – que a cunhada mantinha em perfeitas condições especialmente para ele -, o Velho Padre piscou para a figura de São José (aquela mesma, que deixara com a mulher no bar), que, misteriosamente, estava no presépio. O Santo acenou-lhe e voltou a brincar com o Menino.


São José e eu hoje vivemos aventuras e voltamos para casa por caminhos extraordinários, pensou. Essa vida é mesmo maravilhosa. E, lembrando dos acontecimentos do dia, suspirou, feliz, reafirmando que, realmente, não há data mais afeita a milagres que o Natal. 




Outras aventuras de Natal do Velho Padre
Um feliz e extraordinário 2017 para todos.
Porque a vida é também feita de maravilhas








Foto São José - http://fatherbroom.com/blog/2015/12/st-joseph-and-joy-of-christmas/
Foto Natal - Clem Onojedho in Unsplash Free Photos

Comentários

Unknown disse…
Ohmmm tão fofis ... São José vai ter que trabalhar muito em 2017 pra dar conta de todo o estrago que rolou em 2016...
sergio geia disse…

Zoraya, que presente maravilhoso ler a sua crônica hoje. Bela, belíssima; virei fã do Velho Padre. Sabe que nesses tempos fala-se muito em "buscar a felicidade"; são livros, palestras, até seminários sobre o assunto. Pois a cada dia que passa me convenço mais: a felicidade está no servir. Obrigado pelo presente, um Ano Novo com muito amor para todos nós. Feliz 2017!
Albir disse…
Concordo com o primeiro comentário, Zoraya. São José tem muito trabalho e vai precisar da ajuda de todos os santos para juntar os cacos de 2016.
Anônimo disse…
Super natalina a crônica, aquece o coração!
Zoraya disse…
Pessoal, obrigada! Agradeço os comentários, por mim e também em nome do Velho Padre. E que São José nos proteja! beijos de maravilhoso 2017
tô atrasada, meu GPS não funcionou tão bem quanto o do Velho Padre, mas cheguei!

Que José cuide de todos e nos ajude a encontrar sempre o caminho de casa e a reconhecer o valor do que é essencial!

beijos!

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